quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Aniversário da Fifi

A festa é da poodle toy, mas a família Merlin comemora ao ver a Vovó Lourdes, que sofre de Mal de Parkinson, em atividade


Rafael Urban

Equipe da Folha*


Fotos: Diego Singh

Fifi acompanha Vovó Lourdes em todas as atividades. Ela protege a sua dona e os amigos alertam: ‘No colo ela é um perigo’



Filha de Shaquille O‘Neal e Chaiene, registrada sob o PRG 01/04625, a poodle toy Josephine Merlin completou sete anos de idade neste mês. No domingo passado, a família Merlin comemorou o seu aniversário com uma festa que já é tradição na residência construída em 1902, no Centro de Curitiba. Fifi, como é conhecida a pequena bolinha preta e peluda, 40 centímetros do rabo ao fuço, chegou na casa em 2001.

A dona oficial da cachorrinha é Maria de Lourdes Merlin, 86 anos. No começo de 2000, vovó Lourdes estava triste e deprimida. Na casa construída por seus pais, Luiz e Virginia, os únicos animais restantes eram aqueles que viviam em sua lembrança: Cravinho, Violeta e Piri. Depois de um derrame, da chegada do Mal de Parkinson e de uma ponte de safena no coração, Lourdes estava sem motivações para seguir adiante. Isabel, sua irmã, pediu que sua sobrinha Virginia escutasse sua prece: ela queria um cachorro.

Fifi veio dentro de uma sacola trazida de ônibus por Nilce Firmino de Cruz, 51, a dona do Quenfileds’s Kennel – grafado erroneamente graças ao pouco conhecimento na língua inglesa do responsável pelo registro. Nilce ficou muito incomodada: achou que a cachorrinha só ia levar confusão para a família, fazendo xixi por todos os lados e que, por fim, a senhorinha não ia dar contar de tamanha energia. Porém, dos mais de mil animais que já criou, Fifi foi dos que mais lhe trouxe boas recordações. ‘‘Era como se tivesse chegado um bebê. A casa era uma alegria só’’, lembra.

Desde então, ano após ano, comemoram o aniversário da Fifi. ‘‘O cachorro é só uma desculpa. A idéia é motivar a avó e também recolher doações. Acredito piamente que ela tem na Fifi a motivação para viver’’, conta Ewalda Stahlke, dermatologista, que é amiga da família há mais de 20 anos e ocupa o cargo de ‘‘palpiteira oficial’’ nos preparativos para a festa que começam 30 dias antes.

Ao invés de presentes, o convite pede que se leve dois quilos de ração para serem doados aos mais de 800 cães e gatos da Sociedade Protetora dos Animais de Curitiba, a qual vovó Lourdes ajuda há décadas e que foi escolhida para receber os donativos deste ano. Os 80 convidados levaram 243 quilos de ração.

Borboleta
As festas, sempre temáticas, já passaram por ‘‘circo’’, ‘‘praia’’ e ‘‘anos 50/60’’, em que um conhecido fez as vezes de Elvis cover. Os gastos, por sinal, são mínimos e sempre contam com a ajuda de amigos e familiares que se tornam voluntários. O tema deste ano foi eleições. ‘‘Sempre escolhemos algum assunto que a minha mãe goste muito’’, comenta Virginia Merlin, 50, que tem duas irmãs e um irmão.

‘‘Não é uma festa para cachorro, mas uma festa beneficente para arrecadar fundos para cachorros carentes’’, diz Virginia. ‘‘É uma reunião de amigos’’, completa vovó Lourdes. Do tema eleições, estabeleceram uma decoração a partir do símbolo de uma borboleta, o partido da ‘‘cãodidata’’.

Ao chegar na casa, cada um dos convidados recebia uma pequena cédula de papel para deixar uma mensagem e confirmar o seu voto na candidata única Josephine Merlin, do Partido Borboleta. ‘‘Um animal alegre e colorido, que voa de galho em galho como um político troca de partido’’, explica a filha Virginia.

Ao fundo, toca a ‘‘Marchinha para Vovó Lourdes’’, umpresente de Reinaldo Godinho, que já fez diversos jingles para campanhas políticas. ‘‘É Josephine aqui, é Josephine ali, é Josephine lá! No colo da Lourdinha, ela é preta, do Partido Borboleta.’’ A música se alterna com uma gravação do carro dos sonhos, esses também vendidos por políticos.

Por toda a casa, preparada para a festa em seu interior e exterior, foram distribuídas pequeníssimas borboletas de papel, feitas uma a uma pela dona da aniversariante.



A terapeuta ocupacional Sara Dias Sampaio explica que os preparativos começam 30 dias antes


‘‘Nesses 30 dias, fazemos, eu e Vovó Lourdes, uma série de projetos para a festa’’, diz a terapeuta ocupacional Sara Dias Sampaio enquanto aponta para um quadro bordado por Lourdes em que Fifi é retratada. ‘‘A mãe hoje é outra pessoa. Tá passada a limpo’’, completa, feliz, a filha Virginia.



'Ela é a terapia da minha mãe'



Virginia Merlin com o esposo Iran Longhi. Ao invés de presentes, convidados levam ração para ser doada à Sociedade Protetora dos Animais


Na época em que vovó Lourdes ainda não estava de cadeira de rodas, ela passeava com a fisioterapeuta Mônica Lúcia Zanetti, que levava Fifi no bolso do jaleco. O começo foi difícil, pois ao chegar perto de Lourdes a pequena atacava. ''Tivemos de conquistar a cachorrinha para se aproximar de dona Lourdes. A presença da Fifi junto nas sessões estimula muito ela. Melhorou 1000%'', explica a fisioterapeuta.

A importância da bolinha preta e peluda nesta história é valorizada pela neurologista Teresinha Lissa, 50, médica de Lourdes, também presente na festa. ''Qualquer estímulo é importante. Ela transfere a parte emocional para o cachorro'', comenta. Em sua própria família, Teresinha tem um exemplo próximo. ''Quando via o cachorro, minha mãe voltava à realidade. Era o seu 'fio terra'.''

Bianca Valente, 24, filha da médica, lembra de um dos momentos que considera mais emocionantes. Diva, sua avó, estava com um estágio muito avançado do Mal de Alzheimer e não reconheceu nem a filha tampouco a neta. ''Quando apontamos para o nosso cachorro, ela disse: 'Esse eu sei quem é, é o Tequila'.''

''A Fifi é a terapia da minha mãe'', comenta Virginia, filha de Lourdes. ''Quando ela está confusa, adora ler o pedigree'', conta sobre o documento em que aparecem os antepassados de Josephine Merlin. Para Sara, terapeuta ocupacional, ''o envolvimento da família é motivador e muito importante. E por isso dá resultado''.

''Quando pego a agenda de telefones da mãe, parece obituário. Os amigos ou estão mortos ou deixados de lado em um depósito de gente. A minha mãe tem qualidade de vida'', conta Virginia, que mora com Lourdes, Fifi e com seu esposo Iran Longhi, que também adora a cachorrinha. ''Ele é o irmão mais velho dela'', brinca. (R.U.)


Gengibirra e gasosa de limão

A festa de Fifi também traz lembranças de uma época em que os cachorros Gibi, Peninha, Fuço-preto, Fraulein Bambi e Fraulein Hipelmouse passeavam pela residência.

''É um reviver de nossa infância'', comenta Virginia. Galileu, seu falecido pai, organizava as festas no dia das crianças, um aniversário para os animais e bonecas em que se reuniam os amigos.

O convite era feito em nome dos cachorros e tinha direito a um carimbo especial. ''Pegávamos a patinha do nosso cachorro, molhávamos no barro e marcávamos no papel'', recorda.

As festas eram regadas a docinhos em formatos de bichos e a dois engradados de refrigerantes Hugo Cini: gengibirra e gasosa de limão ou framboesa que Galileu ia buscar na fábrica na rua Visconde de Guarapuava. (R.U.)


Um chinês que não come cachorros

Em 2006, um chinês em passagem pela cidade foi até a festa de Fifi. Ficou encantado e fotografou cada detalhe. ‘‘No meu país comemos cachorros. Aqui vocês fazem festa’’, recorda Sara de uma fala do inusitado convidado.


Ele contou que não come cachorros. ‘‘Mas não deixamosa Fifi dando sopa não’’, brinca a dermatologista Ewalda Stahlke.

Na festa deste ano, um cartaz anunciava: ‘‘Chega de cachorro-quente’’. Virginia explica: ‘‘Ter hot dog em festa de cachorro seria mau gosto. Não combina.’’ (R.U.)


* Reportagem originalmente publicada no Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 23/10/2008.



Sobre o texto: Uma festa que me pegou de surpresa.


Ponto de partida: Entrevistava Igleide Araújo de Almeida, proprietária da Dogtour, agência de viagens para donos que gostam de cruzar o País com seus animais. A conversa foi para outra reportagem, que batizei de “Para animal algum botar defeito”, em que falo de serviços para os bichos na cidade – de cemitério especializado a hospital 24 horas. Igleide comentou de sua grife de alta costura para os caninos, a Flavinha Fashion, e contou que sabia de uma cachorrinha que tinha sua festa de aniversário todos os anos na cidade. Demonstrei interesse e ela me entregou um xerox com uma reportagem de uma revista sobre idosos que falava do acontecimento no ano passado. Disse também que os convidados levavam seus cachorrinhos ornamentados com vestimentas chiques. A surpresa foi descobrir que a festa acontecia em outubro quando já era outubro.


A reportagem: A expectativa, então, era encontrar uma festa dedicada a cachorros – cheguei a conversar com uma jovem especializada em fazer bolos e doces para festas de bichos. Entrei em contato com Virginia Merlin, a responsável pela organização do aniversário. Ela parecia bastante receosa, mas concordou que eu fosse cobrir a festa com a condição de não citar o endereço da residência na reportagem – pedido que ela repetiria mais duas vezes.


Cheguei à residência em dia de festa junto com o fotógrafo Diego Singh. Virginia nos recebeu na porta. Muito simpática, logo pediu que Sara, a terapeuta ocupacional citada na matéria, nos apresentasse a festa. Não havia outros cachorros – a única vez que eles foram convidados foi uma bagunça só, com direito a briga e tudo, como me contou Jussara Elias, sobrinha de Lourdes. Mais do que isso, a festa tinha um propósito muito claro e relacionado à terapia ocupacional: motivar vovó Lourdes.


Foi emocionante ver o afeto da família. A título de exemplo, no jardim, construíram estruturas de modo que, mesmo de cadeira de rodas, Lourdes consiga cuidar da horta. As borboletas de papel, feitas uma a uma em um pequeno cortador com forma (não consigo pensar no nome do objeto) estavam por todos os lugares externos e nos vários os cômodos da casa. Amigos trouxeram tudo o que encontraram com borboletas e esses objetos decoravam a casa. A família, inclusive, dormiria naquela noite com pijamas com estampas do inseto e deitaria em travesseiros recapados de fronhas com desenhos de borboletas.


Cheguei a pegar Fifi no colo, mas ela não sossegou. Ela tem os pelos sob a boca brancos graças ao cloro. Segundo contagem de Iran (o irmão mais velho), ela dá 80 lambidinhas a cada vez que toma água. Conversei com muitos amigos e familiares – Virginia, como Ewalda elogiou em certo momento, tem uma capacidade fascinante de sinergia para reunir as pessoas. O complicado de ter tantos depoimentos interessantes é que, no final da história, muitos ficam de fora. A especialista em odontologia veterinária e dona da clínica Odontocão, Maria Izabel Valduga, que não é citada na reportagem, me contou que acompanha os dentinhos de Fifi desde quando era um bebê. “Ela recebe ração, que é o adequado, mas tem muitos ‘agrados’”, confidenciou.


Fiquei na festa das 17 horas até pouco antes da meia-noite, quando, por fim, consegui escutar as histórias de Virginia – que não parava um minuto durante a festa. O bate-papo com Iran, seu esposo, também foi muito interessante e descobri que ele conhecia meu pai, Polan Urban, de quem lembrou com muita alegria. Iran, inclusive, já foi candidato a senador. Virginia achava que o esposo, que é administrador, não ia conseguir muitos votos – pois fez mais de 50 mil e ainda recebeu a ligação de uma fã que, depois de tê-lo visto na TV, desejava casar com ele. Já a conversa com vovó Lourdes foi bastante breve, mas fiz questão de colocar ao menos um pouquinho de sua fala na reportagem. Devido ao Parkinson, ela se comunica com bastante dificuldade, ainda que mantenha um discernimento muito grande sobre o que passa à sua volta.


Repercussão: “Linda, linda, a reportagem ficou linda.” A ligação que recebi de manhã de Virginia Merlin foi um enorme alívio. “Estamos nos revezando aqui na leitura. É impressionante como você é detalhista”, elogiou. Eu estava muito preocupado com o conteúdo da matéria, uma vez que tratava de assuntos muito pessoais e delicados. Virginia me tranqüilizou.


No dia anterior, quando terminava de escrever, pensei em ligar para ela e pedir para que ouvisse a versão final da reportagem. Como regra geral, não aceitamos pedidos de se ter acesso ao conteúdo antes da publicação, por uma razão muito clara de liberdade para se desenvolver o trabalho. A única vez que mostrei um trecho de uma reportagem antes de sua publicação foi quando pedi a Ana Pasinato Niculitcheff, filha de Valêncio Xavier, que me dissesse se estava delicado o modo como eu falava da doença de seu pai. Ela assentiu. Naquele momento, como já tratei em post anterior, todos os amigos do escritor recomendaram que eu não citasse a doença.


Neste caso, mais uma vez, penso que seria natural pedir o acompanhamento da família. Verdadeiramente, não o fiz, pois dois editores leram a reportagem na redação e me disseram que não havia por que se preocupar, uma vez que o texto era bastante respeitoso. Houve, também, uma questão crucial e freqüente no jornalismo: o horário do fechamento estava por chegar e o tempo se esvaía.


Para não perder de vez a temática desta parte do post, conto que a reportagem surpreendeu alguns colegas de redação, que dias antes pareciam espantados sobre a temática da festa, que, por fim, era muito distante de sua aparência inicial.


Erros, lapsos e confusões: Rodrigo Neppel, editor do Caderno Curitiba na redação de Londrina, decidiu dar um tom mais dramático à gravata (o subtítulo) adicionando o “Mal de Parkinson”, que não aparecia no meu texto original. Porém, se confundiu e escreveu “Mal da Parkinson”, o que já aparece corrigido neste blog. Neppel, por sinal, é um editor muito interessado e extremamente atencioso, além de um dos jornalistas mais respeitados na Folha de Londrina.


Os textos, inclusive, depois da edição, seguem bastante fiéis à versão que escrevo, salvo apontamentos que, em geral, tornam as matérias mais fluídas. Isso, porém, é regra no Curitiba, que é um caderno que permite um espaço de texto maior e que, salvo quando se escreve demais da conta, o que faço com relativa freqüência, não há necessidade de cortar parágrafos. Já nos cadernos diários, os textos sofrem mudanças mais bruscas e cortes grandes de tamanho. Posso dizer que já sofri isso na pele e não é das experiências mais agradáveis. Voltando ao Neppel, depois de ler a matéria, ele comentou. “Agora, até eu estou gostando da Fifi. Achava que era outra coisa a festa.”


Quanto às fotos, uma das legendas foi trocada. A idéia é que o texto ilustrasse uma imagem em que aparecia um cartaz na porta de entrada com os dizeres: “Consultório para quem sofre de cachorrite.” Reproduzo abaixo, a foto e a legenda como foram publicadas no jornal.



A decoração estava por toda casa. Na porta de entrada, uma brincadeira com os doentes por cachorro

domingo, 12 de outubro de 2008

Senhoras de programa

No Centro de Curitiba, não há limite de idade entre as profissionais do sexo

Rafael Urban
Equipe da Folha

Foto: Marcos Borges

Luciana (alcunha fictícia), 60 anos, passa as tardes no Passeio Público, onde acerta seus programas



O Passeio Público fica no centro de Curitiba e é o lugar em que Luciana passa suas tardes. Ela é uma mulher de programa. ''Nada disso. Sou velha de programa'', comenta. Com a diabetes descoberta há cinco meses, o médico, que desconhece sua profissão, sugeriu que ficasse mais tempo em um lugar com árvores. ''Mais uma boa razão para eu vir aqui todo dia.'' Sua aparência esconde as marcas do tempo e, diz, ninguém acredita quando conta a idade. Este repórter teve surpresa semelhante ao descobrir que ela fez 60 anos no dia 29 de julho.

Luciana começou a trabalhar como profissional do sexo aos 19 anos. Quatro Bicos e Stardust são boates chiques, e hoje extintas, nas quais trabalhou em Curitiba. Também passou por casas de luxo em Porto Alegre e Santos. ''E no meio disso tudo já namorei prefeito, deputado e até jornalista da televisão.'' Luciana é uma das poucas com mais de 60 a seguir na ''batalha'', expressão utilizada no meio nas ruas da Capital.

Seja no Passeio Público, na Santos Andrade, a praça em frente ao Teatro Guaíra, ou na Generoso Marques, ao lado do Marco Zero de Curitiba, as senhoras de programa estão por toda a região central da cidade. O preço por programa é quase tabelado, de R$ 20 a R$ 30, de acordo com acerto com o cliente, um valor distante dos cobrados nos bordéis de luxo, em que comumente ultrapassa R$ 150. ''Nossos clientes são operários, pedreiros. Não temos como cobrar mais'', comenta Luciana - a alcunha é fictícia, tal como a das outras personagens desta matéria, e foi sugerida por elas mesmas.

O preço dos hotéis utilizados nos encontros também parece seguir uma regra comum, que define o valor em R$ 10 a meia hora. Luciana lembra de um que custa menos (R$ 8), mas que é tão descuidado que não vale a economia. Nos dias de calor, ela veste mini-saia e blusa curta e, segundo suas palavras, chega a causar escândalo. ''Gosto dos clientes mais velhos, pois os jovens ainda estão cheios de fantasia e querem fazer coisas diferentes.'' No mês passado, ela atendeu a um rapaz de 18 anos.

Com as economias de uma vida, Luciana comprou carro e uma casa de dez cômodos em Colombo, Região Metropolitana de Curitiba. E, pensando no futuro, paga INSS como cabeleireira, profissão que exerceu no passado, o que vai permitir se aposentar em breve. ''A idade vai chegando e vamos ficando menos vaidosas, a pele vai caindo. Não sou mais a bela mulher que fui. Todo mundo fala que é uma vida ruim, mas a minha não é de uma sofredora. Sou feliz'', sentencia.


Na Generoso
Dona Sônia, que diz ter feito ''65 anos faz tempo'', tem opinião diferente. Ela acerta seus programas na Praça Generoso Marques, a poucos metros do marco inicial da cidade, onde trabalha pelas manhãs. Já foi tirada da profissão seis vezes. ''Por seis homens diferentes, todos mais jovens que eu. Não gosto de velhos'', comenta.

Para Sônia, a pessoa mais idosa encontrada pela reportagem a continuar trabalhando na profissão, a sua passagem pelo inferno já aconteceu. ''É um lugar que só quem se vendeu na rua tem conhecimento. Essa vida é coisa do satanás.''

Na praça em que ela trabalha, os pontos são vários. Há o cantinho das coroas ao lado da floricultura, e senhoras sob as marquises. ''Tem que saber entrar e saber sair. Quando estou em casa sou outra; viro dona de casa e mãe'', comenta Neusa, 44. Enquanto ela estiver tratando seu rim, não pára. Em paralelo ao seu trabalho na rua, por diversas vezes exerceu o ofício de doméstica. ''Quando o meu último patrão me viu aqui, me despediu na hora.''

Neusa já parou de contar quantas vezes distintas senhoras lhe cuspiram na cara, as mesmas que não lhe oferecem emprego. ''Dizer que é prostituta é o mesmo que falar que você rouba as pessoas. Nunca obriguei um homem a fazer sexo comigo.'' No final do dia, volta para o lar, onde responde como mãe e dona de casa.


Entre prédios históricos

‘‘Venha nos entrevistar daqui a alguns anos. Estaremos aqui’’, comenta uma moça de 36 anos na Rua 13 de Maio, região central de Curitiba. Sua dica é buscar pelas senhoras na Praça Santos Andrade, situada entre o Teatro Guaíra e o prédio histórico da Universidade Federal do Paraná. Em um banco da praça, conversam, como velhas amigas, Linda, 49, e Márcia, 45. ‘‘Somos umas dez trabalhando na praça’’, explica Linda, que repete a mesma rotina diariamente há 20 anos: das 10 às 17 horas espera por seus clientes em um banco com vista para o prédio histórico. ‘‘Fui chegando, fiquei aqui e daqui não saio mais. Os conhecidos vêm nos procurar. Além disso, é uma praça gostosa.’’

Já Márcia não tem tanto carinho pelo lugar. ‘‘Quem é que vai gostar desta vida lazarenta? Tentei até ser doméstica, mas não deu certo. Peço a Deus: um dia eu saio.’’ Aos 25, depois de se separar do primeiro marido, Márcia começou a vender bilhetes de loteria. Conheceu as meninas que ofereciam serviços sexuais e acabou se enturmando. Hoje, prefere trabalhar durante o dia, por uma questão de segurança. ‘‘À noite, todos os gatos são pardos’’, diz.

O marido de Linda a conheceu na rua, há 17 anos, e não gosta de sua profissão. ‘‘Mas ele procura esquecer o que vou fazer e eu saio de casa como se estivesse indo dar uma volta.’’ Com a chegada da idade, as coisas mudaram. ‘‘Antes fazia de dez a 20 programas por dia. Hoje um ou dois no máximo e fico exausta por levar chá de espera no banco.’’ Linda cobra no mínimo R$ 20 por programa e, em casos raros, chegou a receber R$ 50. ‘‘Você acha que só menina nova faz essas coisas?’’

‘‘Enquanto eu puder com as pernas, eu não derrubo o barraco não’’, comenta Marlene, 49, colega de praça de Linda e Márcia. Ficar em casa seria para ela o mesmo que virar uma ‘‘velha coroca’’. Marlene também vê mudanças. Do passado, se recorda da época em que ganhou entre R$ 100 e R$ 150 por dia. ‘‘Estão preferindo as mais novas. As velhas estão ficando para tia’’, diz. Por fim, propõe um abaixo assinado para a reabertura do Hotel Rota Nova, fechado pela prefeitura. (R.U.)


Fórmula da juventude

Victoria Secret se orgulhava de ter todos os homens aos seus pés. E gostava disso. Viajando com um grupo de cinco meninas auto-intituladas ‘‘As panteras’’, conheceu o País fazendo shows de strip-tease. Já ganhou muito dinheiro na noite e torrou outro tanto, especialmente com roupas e acessórios de marca que lhe valeram o apelido no meio e que a identifica nesta matéria. ‘‘Quando estava no meu auge, aos 25 anos, em dois meses e meio ganhei R$ 25 mil e comprei um Golf.’’ O ápice passou, são menos homens aos seus pés e os ganhos já não são tantos, mas, em sua opinião, continuam bons.

Victoria trabalha em uma das casas de luxo da cidade e é uma das poucas que ultrapassou a barreira dos 30 anos e continuam ali. ‘‘As casas barram as mais velhas’’, explica Bia Gil, colega de boate, que diz ter 26 anos, enquanto, na verdade, tem 32. ‘‘Todas as mulheres da noite contam que têm dez anos a menos do que sua idade verdadeira.’’ No caso de Victoria, ela diz aos clientes que tem 30, ao passo que a sua identidade aponta 36.

‘‘Está vendo tudo isto aqui?’’, ela questiona enquanto olha para o ambiente da boate em que belas jovens realizam coreografias como se estivessem em uma danceteria. ‘‘É tudo uma ilusão.’’ Victoria Secret recorda que demorou para se dar conta disso. Desde o início do ano, faz um curso profissionalizante, que espera possa a ajudar a se aposentar. Quanto ao futuro, estará na noite ao chegar aos 40? ‘‘Somente se eu descobrir a fórmula da juventude. Se eu fosse eternamente jovem, seria eternamente puta.’’ (R.U.)


‘Batalhando na melhor idade’

Diego Singh

Carmen Costa (ao centro) e a equipe do Grupo Liberdade, que defende os direitos das mulheres de programa

Carmen Costa, 50 anos, diz logo de pronto, sem hesitar. ‘‘Eu sou prostituta.’’ É a palavra que ela prefere para descrever o ofício o qual exerceu durante 27 anos. Desde 1994, porém, já não tem tanto tempo para trabalhar nas ruas. No dia 18 de maio daquele ano fundou o Grupo Liberdade, que defende os direitos das mulheres de programa. ‘‘Pensei em muitas coisas: na epidemia da Aids, na falta de um lugar de apoio e orientação.’’ Em relação à ausência de alguém para recorrer, ela havia sentido isso na pele pouco antes, em 1992, quando estava grávida pela segunda vez – o que foi sua motivação maior para abrir a ONG.

O grupo conta com uma equipe de seis pessoas, entre elas uma educadora e uma assistente social. Depois de ‘‘Boca de gamela’’ e ‘‘Meninas na prevenção’’, a ONG está iniciando o projeto ‘‘Batalhando na melhor idade’’, que visa trabalhar a auto-estima das mulheres de programa com mais de 40 anos. Segundo levantamento da ONG em 2005, das 30 mil mulheres que trabalham com prostituição em Curitiba, 45% delas têm mais de 40 anos. ‘‘Elas começam a se sentir um ‘trapo velho’, a se descuidar. Em muitos casos, deixam de se preocupar com a Aids, achando que, se não pegaram até agora, não vão pegar mais’’, diz. ‘‘Hoje, uma senhora faz um; quando muito, dois programas por dia. Elas não têm outra opção (de trabalho) e começam a se sentir como coitadinhas. Além disso, o número de clientes diminuiu e o número de prostitutas nas ruas aumentou.’’ (R.U.)


Na literatura de Dalton

‘‘Ele subiu na cama para não arrastar a calça no pó. A mulher dobrou uma perna, depois outra, safando-se da saia preta de couro – a coxa com nervura azul de varizes. Sentou-se para enrolar as meias. Deixou cair o sutiã. Foi deslumbrar-se no espelho, o seio na mão. Buscou ali o olhar de Nelsinho – depressa ele o desviou. A criatura deu volta à cama. Enroscou-se nele, as unhas pelo corpo, estremecendo-o todo. Enfiou-lhe a língua na orelha – Que se faça tua vontade, Senhor, e não a minha.’’

Trecho de ‘‘A noite da paixão’’, do livro ‘‘O Vampiro de Curitiba’’, de Dalton Trevisan


A REPORTAGEM

‘‘Você trabalha aqui?’’, repeti a pergunta a 12 mulheres abordadas nas ruas do Centro de Curitiba para a reportagem. Uma delas respondeu: ‘‘Não, estou esperando o meu marido.’’ A maioria se dispôs a contar as suas histórias ao saber que eu gostaria de fazer uma matéria com as mulheres com mais idade que seguiam na batalha.

O ponto de partida para a reportagem não poderia ter sido mais inusitado. Em uma madrugada de julho, estava fazendo uma reportagem no Terminal de Ônibus do Guadalupe, na região central da cidade. Lá, uma senhora que aparentava ter 75 anos – e que mais tarde descobri ter 62 – agendava os seus programas. Isso me motivou a fazer uma reportagem sobre o universo dessas senhoras, uma questão presente desde tempos remotos na cidade e já trabalhada na literatura, como vemos na reprodução de trecho do texto de Dalton Trevisan nesta página, e no cinema – o projeto Olho Vivo, de Curitiba, fez documentário intitulado ‘‘Programa de Senhoras’’, em 2006.

Depois de conhecer várias das histórias, fiquei sabendo que uma ONG, o Grupo Liberdade, tratava dos direitos das prostitutas – aqui uso o termo sugerido pela presidente do grupo. A descoberta mais interessante, em relação à ONG, foi saber que parte do trabalho mais recente deles, que envolve distribuição de camisinhas e orientação em 175 casas da cidade que visitam com freqüência, estava diretamente relacionado ao universo das mulheres de programa com mais de 40 anos. Aqui, a título de curiosidade, cito mais um número apontado por pesquisa da ONG. Em 2005, entre esquinas, casas, salas e saunas, havia 3.178 pontos de prostituição em Curitiba. (R.U.)


* Reportagem originalmente publicada no Caderno Especial de Domingo do Jornal Folha de Londrina, do dia 12/10/2008.



Sobre o texto: A minha maior aventura jornalística até o momento


Ponto de partida: Como eu conto no texto acima e publicado junto à reportagem, estava à noite no Terminal do Guadalupe fazendo uma reportagem acompanhando o serviço do Resgate Social da FAS quando me apontaram uma senhora que estava sentada em uma cadeira no terminal à espera de seus clientes.


A reportagem: Não há outro modo de conhecer estas senhoras e suas histórias a não ser indo até elas nas ruas da cidade. É impressionante notar que estão por todo o Centro, trabalhando a luz do dia e em número expressivo. Estão lá desde tempos imemoriais, mas são pessoas tão humanas, comuns, que passam despercebidas; na correria do dia-a-dia passamos por elas tantas vezes, mas mal notamos que estão lá. Curioso notar que, depois, fica fácil perceber que, sim, estão lá.


As estatísticas do Grupo Liberdade impressionam: 45% das prostitutas de Curitiba (penso que aqui não cabem eufemismos) têm mais de 40 anos. O que fazer quando a idade chega? As perguntas são em número muito maior do que as respostas. Essas senhoras são, necessariamente, pessoas com muita história de vida e, na maioria absoluta dos casos, dispostas a contá-las.


Algumas colegas indicaram Dona Sônia, que trabalha na Generoso, como a mais velha em atividade na cidade. Deixei com uma colega de praça meu telefone, e Sônia me ligou no dia seguinte. Conversamos por uns 15 minutos em que ela me contou sobre sua vida. Fiquei de retornar para marcarmos um encontro pessoalmente. Como viajei no dia seguinte, isso só aconteceu duas semanas depois. Quando a encontrei, ela, sob lágrimas, disse. “Já te contei tudo que tinha para te dizer, dói lembrar dessas coisas, não quero mais falar, por favor, vá embora. Só reforço uma coisa, isso aqui é o inferno mesmo.”


Tive bastante tempo para apurar a reportagem. Pude visitar uma casa noturna de luxo, em que entrei com a autorização da gerência da casa com a condição de não publicar o nome do local. Este outro lado da moeda me pareceu importante para discutir um outro momento, outro patamar do ciclo da prostituição, onde entra muito dinheiro e as meninas são muito bem pagas – e onde, por certo, a idade não é bem-vinda.


Ainda que a prostituição na idade mais avançada seja um tema presente em várias instâncias – como literaturae onde, por certo, a idade n e as meninas se para discutir um outro momento, patamar do ciclo da prostituiços que est e cinema – ela parece distante das discussões sociais. Quando falava sobre a pesquisa para a reportagem, as pessoas, amigos e colegas, se mostravam surpresas: “Sério, existe?” Me surpreendeu que o tema também não fosse comumente discutido na mídia.


Conversei com o Luciano Coelho do Olho Vivo sobre a produção do “Programa de Senhoras”, documentário em que entrevistam uma série de mulheres prostitutas na casa dos 40. Depois, por fim, fui às ruas. No Passeio Público estava sentada em um banco Luciana. Simpática, se dispôs a conversar comigo e tive ali, logo de começo, um dos depoimentos mais importantes – boa parte deles foi colhida em uma mesma tarde. Retornaria depois, com o fotógrafo, para fazer uma seqüência de fotos, acertada previamente pelo telefone. Enquanto Luciana, a personagem que aparece no começo da matéria, topou fazer as fotos, com a condição de que seu rosto não aparecesse, algumas outras não.


A única negativa em dar depoimento veio na Visconde de Guarapuava. Lá, há um prostíbulo que reúne apenas senhoras. Uma delas afirmou que, por ordem do dono, não poderia conversar comigo. Sugeriu que tentasse na quadra seguinte. “Há muitas por aí.” O encontro com Carmen, do Liberdade, foi, também, muito importante. Saber que há uma organização buscando defender os direitos das mulheres de programa foi bastante interessante. E ver uma mulher com pulso firme em sua administração foi uma surpresa positiva.


Repercussão: Esta foi bastante peculiar e veio com o passar do tempo e reportagem. Mesmo antes de ser publicada (o que, como conto a seguir, levou muito tempo), os colegas de redação e amigos que sabiam da reportagem já perguntavam bastante sobre ela. O resultado foi uma recepção muito positiva e o texto foi um dos mais elogiados entre todos os que já escrevi.


Erros, lapsos e confusões: O mais peculiar desta foi que mais que o tempo de reportagem – da idéia inicial à escrita foram cerca de dois meses – foi o tempo que levou para ser publicada. Depois de pronta, ela levou quase outros dois meses para ser publicada. Como ficou grande e precisava de muito espaço no Caderno Especial (de Reportagens) de Domingo, para onde foi originalmente pensada, isso nunca acontecia e ela tinha de esperar mais uma vez por mais uma semana para ser publicada – o que aconteceu semana após semana durante todo esse tempo.


Por fim, chegou o momento da publicação. A diagramação foi uma lástima – o anúncio que atravessa as duas páginas acaba com qualquer possibilidade gráfica. Ainda assim, fiquei feliz que o conteúdo original de texto foi preservado – o que foi uma das minhas batalhas, pois não concordei com a idéia de a reportagem ser reduzida para ficar de acordo com espaços mais freqüentemente disponíveis no jornal. Por vezes, esta é uma questão à qual temos de ceder no jornalismo, mas por esta reportagem, em especial, valia à pena batalhar por espaço.


As fotos, também, acabaram prejudicadas. E a mais importante delas, de Luciana, a senhora de 60 anos que trabalha no Passeio Público, acabou reduzida na primeira das duas páginas e posicionada distante do texto de abertura, em mais um erro de diagramação. Ao contrário, a foto do Liberdade ficou junto ao lead e título, criando uma confusão – na disposição dos elementos da versão impressa, parece que Carmen e as meninas que trabalham no Grupo Liberdade são as senhoras de programa do título. Segundo alguns colegas, a disposição gráfica do texto matou a matéria. Fico feliz que ela tenha sobrevivido a tantas dificuldades.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Maricleide e o dia triste




Refresco, olha o refresco! Mais um conto publicado na sessão Histórias do Caderno Curitiba e escrito entre uma reportagem e outra. As fotos mais uma vez são de Nicole Lima, fotógrafa e autora do blog niwonderland.blogspot.com

Rafael Urban
Equipe da Folha*

O que mais me espantou no comentário de Maricleide - "hoje é o dia mais triste de minha vida" – não foi o fato de ela tê-lo proferido no dia do meu casamento, mas a importante consideração de que sua mãe havia falecido uma semana antes. Refletindo, logo me dei conta de que ela faria um escândalo no altar – eu já deixara claro que minha decisão não tinha volta, que eu amava Ana.

Não tive dúvidas, pedi para o Igor, meu irmão, grudar nela. Atendendo minha solicitação, assim que Maricleide, tal como podia se esperar, de preto, entrou na igreja, lá estava Igor, com a desculpa de bater um papo, conversando e logo se sentando ao seu lado. Como se o feitiço tivesse virado contra o feiticeiro, ela aproveitou-se do fato que estava com alguém da família do noivo e ficou a três fileiras do altar em que já estávamos eu, o padre e de onde, logo, estaria também Ana, minha noiva.

A bolsa de Maricleide, vermelha, parecia grande o suficiente para carregar uma arma do tamanho de um 38. Ela sorria e a cada movimento sutil de seus lábios eu ficava mais certo que veria sangue sobre a grinalda, em um vermelho escuro como o da bolsa da assassina. Inclusive, sonhei com isso antes mesmo de receber a mensagem de texto, via celular, em que Maricleide explicava o quão triste era o dia de hoje para a sua pessoa.

Aqui cabe um parênteses importante. Maricleide foi minha namorada quando dos meus 17 anos. Minha idade, hoje, não importa, mas é suficiente dizer que a adolescência já passou faz muito tempo. Ela, porém, sempre fez questão de deixar claro que o tempo, para ela, nunca passou. A cada encontro fortuito, consegue demonstrar que vive como se tivéssemos 17 anos para sempre.

Igor conversando com ela me deixa mais tranqüilo. Meu irmão seria, sem dúvidas, rápido o suficiente para interromper qualquer possível loucura dessa desmiolada. A marcha nupcial começa, Ana entra. Está linda. Enquanto os olhos da platéia seguem a noiva, os meus se encarregam de vigiar Maricleide, que conversa com Igor como se Ana, linda, ou mesmo eu, não estivéssemos lá.

Eu dou as costas para Maricleide, Igor e todos os familiares. Não esqueço o temor, que segue comigo. Respondo ao padre, beijo Ana. E desejo ter filhos com essa mulher – dias depois, descobriria que ela já estava grávida. Não ouço tiros. O casamento acaba. Comemoramos em uma churrascaria.

Sugiro para Igor que deixe Maricleide em paz. Ele diz que não. Decidiram, antes do padre casar a mim e Ana, que são almas gêmeas o suficiente para ficarem juntos. E, naquela mesma noite, Igor e Maricleide, os dois tirando proveito da ocasião, anunciaram que se casam em novembro.

* Conto originalmente publicado no Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 01/10/2008.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Panela Velha

Ficção
Mais um refresco. Publicado na sessão “Histórias”, do Caderno Curitiba, o novo nome de batismo da “Ligeiras”.


Rafael Urban
Equipe da Folha

Foto: Nicole Lima
















Mas bá, diz a gaúcha, nem em sonho acaba o meu fôlego. Ela começa a cantar: ''Perguntaram para mim, se eu ainda gosto... ah se gosto! Fico amando e amando, sem sentir saudade!''. Mirandolina diz que faz amor ''de diversos tipos'', todos os dias da semana. ''É sábado, domingo, segunda, terça e por aí vai.'' Os netos se envergonham; o marido reforça - Não há o que pare essa mulher, diz. Que bom que o teu não parou, retruca Mirandolina. O vigor é de impressionar.

A título de exemplo, ela levanta os dois braços e aos poucos arca a coluna enquanto desce até a ponta dos pés e encosta neles os dedos das mãos. Num sobressalto, volta à posição original para iniciar uma sequência de polichinelos. Ela pára quando, mentalmente, a minha contagem chega em 100.

Aos 20 eu era sedentária, conta. Hoje, continua, sou sexo à flor da pele. O marido ri, contrariado - Não gosto de intimidades, assim, escancaradas, explica. Ela, sim, gosta e, depois de descobrir a Internet, criou um blog em que descreve suas aventuras sexuais e promete, para breve, colocar um vídeo dos dois em ação no Youtube. Explico para ela que o site não permite esse tipo de conteúdo. Mas é didático. E didático eu sei que pode, afirma. É para ser como um livro de auto-ajuda - enquanto faz o comentário, Mirandolina aponta para um volume intitulado ''Sexo na terceira idade: integridade possível''.


Acredito, segue ela, que muitos podem me ter de exemplo. A mulher não morre com a queda dos seios, mas segue vivinha da Silva; pode estar certo. Vou fazer sexo até os 100, daí hiberno e vou-me embora. Exemplo dona Mirandolina dá aos vizinhos. E quando dou, diz manhosa, grito bem alto. Vai ver motiva os jovens que moram aqui do lado a apimentar um pouco. Pobrezinhos fazem tão de vez em quando e, do que sempre vejo da janela da cozinha, sem emoção alguma. Que me escutem e aumentem um pouco o volume de suas paixões.


* Conto originalmente publicado na sessão Histórias do Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 03/09/2008.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Queijo minas frescal com goiabada cascão

Ficção

Refresco de número 04: Tang sabor uva.


Rafael Urban

Equipe da Folha


Foto: Nicole Lima











Eu sei, o Dia dos Namorados já passou faz tempo. Mas com essa não pude me segurar. Imagine um presente ruim. Agora, adicione litros de leite e espere as bactérias fazerem o seu trabalho. Processe tudo até que vire queijo. E então pegue o resultado e dê para o seu namorado de presente. Ta aí o que a Valéria deu ao Jofre: dois quilos de queijo minas frescal.

Eu também quase não acreditei. E perguntei, assim só por perguntar, o que ela deu no Dia dos Namorados anterior. “Ah, no ano passado, eu fiz vinho tinto. Pisei nas uvas e tudo”, me respondeu sem esconder a alegria. Que romântico, pensei. A parte do pisar nas uvas em especial. Mas as idéias esdrúxulas não param aí. “Quer saber dos regalos que dei em anos anteriores? Você sabe estamos juntos há 12.” Bem, a palavra regalo já me assustou e fiquei curioso para saber do que uma pessoa que usa aquele termo seria capaz.

“Em 2006, foi um presente grego”, conta enquanto ri fazendo “hihihi”. Presente de grego foram todos, pensei. “Fiz um jantar à grega. Quebramos pratos juntos até que os vizinhos chamaram a polícia. Quase fomos presos”, diz, completando com o “hihihi”. Ta aí mais um presente emocionante, pensei. “Em 2005, foi a coleção de yo-yos. Achei em diferentes antiquários. Consegui até o Galaxy, aquele da marca de refrigerante e cheio de purpurina.”

Fiquei me perguntando das motivações. O Jofre nunca foi campeão de yo-yo e tinha certa aversão a leites e derivados. De alcoólico, a única vez que vi ele colocar algo na boca foi uma cerveja preta. “Posso continuar?”, disse ela interrompendo meus pensamentos. “Em 2004”, continuou sem esperar eu responder que podia, “foi o mais legal”. Lá vem, pensei. “Eu enchi a banheira lá de casa com sagu de vinho branco. Você sabe o que é sagu?”, me perguntou. Eu sabia que não precisava dizer que sim. “E daí eu e Jofre tomamos banho juntos. Não é romântico?”. Não, não é, pensei sem dizer uma palavra.

Resolvi deixar a corda esgotar. “Um ano antes, em 2003”, sim, 2003, registrei mentalmente enquanto a Valéria hesitava. “Em 2003, não dei presente.” Nessa eu não acreditei. Optei por me fazer de bobo e ficar em silêncio. “Tá, eu conto”, disse ela sem me deixar fazer papel de bobo por muito tempo. “Levei o Jofre no motel”, me disse como se confessando um pecado moral. Por Deus, que fora do padrão do casal, pensei. “Lá tinha um leitão à pururuca nos esperando com uma mesa farta”, completou. Sabia que tinha algo aí, pensei.

E você nunca ganhou presentes, perguntei. “Ah, sempre ganho e são dos bons”, me respondeu. Ah, é, questionei. “Sim”, respondeu. O que ganhou em troca dos dois quilos de queijo minas frescal. “Ah, nessa o Jofre acertou em cheio. Me deu um presente artesanal, que ele mesmo fez na panela”, me disse Valéria. Pinhão, pensei eu. “Foram dois quilos e meio de goiabada cascão.” Ta aí, nada mais provável, Romeu e Julieta.


* Conto originalmente publicado na sessão Ligeiras do Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 18/07/2008.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

De pá que se foi

Ficção

O refresco de número zero três; o meu terceiro conto publicado na sessão “Ligeiras” do Caderno Curitiba*. A partir deste, começa uma parceria com a amiga e fotógrafa Nicole Lima**.

Foto: Nicole Lima

Essa é uma história que começa em seu final. E o ambiente não é dos mais acolhedores. Foi em uma família meio tradicional, meio atípica e meio estranha que nasceu... Wal Carlos. Eu sei, seu nome não era dos mais inspiradores. Ele morreu no dia de hoje e é deste momento que começo a contar sua trajetória: olhando para a sua sepultura no cemitério municipal da cidade.

Se você tivesse ido ao funeral, teria lido na lápide: “Aqui, neste exato lugar, faleceu, de modo trágico, o grande, brilhante e futuro magnífico poeta Wal Carlos”. O jovem, de talento apontado na própria tumba, parecia mediano, pois escondia suas grandes qualidades, as mesmas hoje enterradas com ele no cemitério municipal.

De suas idéias, de sua arte, de seus poemas, não deixou registro. Wal Carlos exclamava aos quatro ventos: essa arte guardarei para mim. Na cabeça, roteiros de longas-metragens decupados plano a plano. Na memória, quadros iluminados à perfeição renascentista que nunca experimentaram tinta.

Conversava com estátuas e, no cemitério, tinha seus mortos favoritos, com quem, dizem, trocava idéias. Rodrigo Jorge, colega de trabalho, suspeita ter ouvido recitais de poemas que tinha como único público os não-vivos daquele lugar.

O espaço favorito de Wal Carlos nas horas de folga era o mausoléu abandonado da família Plainus. Lá sonhava em cobrir as paredes e a redoma com suas obras e projetar seus vídeos não-filmados. Usaria o local como uma instalação permanente. Imaginava cada detalhe, cada espaço preenchido com uma obra de arte sua.

Wal Carlos jurava que somente materializaria a sua arte quando esta chegasse à sua maturidade. Morreu antes. De morte esquisita, mal explicada. Era coveiro e foi de pá que se foi, caindo no lugar certinho, onde permanece.

* Conto originalmente publicado na sessão Ligeiras do Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 09/07/2008.

** Nicole vai selecionar fotografias que, de algum modo, dialoguem com os contos. A fotógrafa é a responsável pelo paralelo: centro de artes visuais, um espaço que, em agosto, comemora um ano de boa programação e presença marcante na vida cultural de Curitiba. Juntos temos um blog fotográfico que atualizamos com pouca freqüência. O paralelo divulga um zine semanal, o qual colaborei pela primeira vez recentemente.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Clube da solidão

Quatro mil casamentos depois, o programa Quadro Casamenteiro e o Clube dos Solitários seguem firmes e fortes

Rafael Urban
Equipe da Folha*


Mauro Frasson
Rosaldo Pereira lê as cartas de ouvintes com pseudônimos como ‘‘Leonino em busca de sua leoa’’

Fotos: Diego Singh
No salão, os casais dançam agarradinhos, o que tem atraído a presença dos mais jovens

‘‘Sabe, Rosaldo, este mundo é tão grande que, de repente, a pessoa que eu quero está aí do outro lado e eu aqui. Então, quem sabe, ele está agora ouvindo o Sr. ler a minha cartinha.’’

Estrela Verde nº. 68



Rosaldo Pereira já perdeu as contas de quantas cartas leu em seu ‘‘Quadro Casamenteiro’’, programa que apresenta na Rádio Colombo 1.020 kHz AM, de Curitiba, desde 1982. Os convites para os casamentos de pessoas que se conheceram pela emissora ele parou de guardar e contar quando chegaram aos quatro mil, o que aconteceu há oito anos. ‘‘O mais interessante foi a história de um casal que estava se correspondendo por cartas. Você não imagina o susto deles quando se encontraram. Os dois eram vizinhos há décadas e moravam a três quadras um do outro’’, conta Rosaldo, que afirma que os dois estão juntos até hoje.

Os ouvintes usam pseudônimos. ‘‘Evangélica a espera de um cristão’’, ‘‘Júnior nº. 18’’, ‘‘Parafuso atrás de uma porca’’, ‘‘Leão em busca de sua leoa’’. O ponto de encontro, muitas vezes, é o Clube dos Solitários: em nome do amor. A história do baile, organizado pelo locutor, inicia-se em 1989, na sede social do Clube Juventus. Começou pequeno e motivado pelos ouvintes do programa. Com 20, 40, depois 100 pessoas.

Em 1989, Nilda Hanq estava viúva há oito anos e em depressão, sem muita vontade de sair de casa. ‘‘Me arrumei bem. Mas, quando cheguei ao baile, o que me impressionou foi aquela quantidade de velhos, muito mais velhos do que eu.’’ Pouco depois, foi conquistada pelo ambiente, pela simplicidade e honestidade das pessoas. Acabou virando a madrinha. Na única carta que escreveu ao programa de rádio, assinou como ‘‘Amor perfeito’’. ‘‘Como a flor, detalhada como se fosse desenhada por um grande pintor.’’ Recebeu dez respostas e foi ao encontro do ‘‘Leonino Triste’’. ‘‘Mas, quando o vi, desisti. Ele era um homem triste e eu sou alegre.’’



‘‘Eu sou evangélico, solteiro, 63 anos, 1m70, 70 quilos, cor clara, sem vícios. Totalmente livre, amoroso e justo! Sou pedreiro, carpinteiro, marceneiro, mecânico de bicicleta, cozinheiro, lavador de roupas, jardineiro, pintor de placas.’’

Do pseudônimo, Um amigo cristão que topa tudo por amor e dinheiro!



Zelina Aparecida Cardoso recebe as cartas na Rádio Colombo há 23 anos. ‘‘O pessoal fala que é alto, mas não é. Que é magro, mas não é. Diz que é bonito, mas vixe!’’. Ao custo de R$ 8, cada uma delas é lida no ar por Rosaldo. De voz imponente e a experiência de mais de 40 anos no rádio, ele as torna mais bonitas no programa que apresenta de segunda a sexta, das 22 às 23 horas.

Baile é ponto de encontro dos casais


‘‘Meus filhos foram indo, cada um cuidar de sua vida. E eu fiquei sozinha e a solidão é muito dolorosa, muito triste. Durante o dia eu saio, sempre tenho alguma coisa para fazer. Mas à noite a solidão é esmagante.’’

Libriana Carente


Às sextas, sábados e domingos acontece o Clube dos Solitários: em nome do amor. Lá, librianas carentes, leões solitários e geminianos à procura se encontram. Nas sextas-feiras, tem aula de dança. Neiva de Fátima, 49 anos, coordena o grupo de professores voluntários. ‘‘Hoje, as mulheres estão muito mais atacadas e chegam junto nos homens’’, conta a professora que também conheceu seu marido ali, em 2004. ‘‘Eu cheguei para ele, que tem a metade da minha idade, e disse: ‘Dançamos de um jeito parecido. Vamos fazer isso juntos?’.’’

Marcos Pauli de Lima, 25, não se incomoda com a diferença de idade. Neiva pensa diferente. ‘‘Uma vez uma moça deu em cima dele. Fui tirar satisfação e ela me pediu desculpas, pois achou que eu era a mãe.’’

Lima é um dos tantos jovens no baile. Ainda que a média de idade passe com tranqüilidade dos 40, a juventude vai em peso. ‘‘Tá dando muita rapaziada porque danceteria não tem tanto contato físico’’, explica. Ele se dá bem com a família de Neiva. A professora já arrumou esposa para o irmão e para um de seus filhos no baile. E ali aconteceu o noivado e o chá de bebê, além de outros 800 casamentos. No Clube dos Solitários, os casais dançam coladinhos no vanerão, bolero e forró.

O encontro das idades é freqüente. No canto do salão, um rapaz com vinte e muitos poucos anos está de lero-lero com uma senhora com mais de 70. ‘‘Eles estão juntos há três meses. E ela está chateada porque o viu dançando com uma moça’’, diz o sorridente Mauro dos Santos, 42, que conheceu a namorada Rosalda Boulade, 45, no baile há cinco anos. Juntos, acompanharam no salão um dos momentos mais engraçados de suas vidas. ‘‘Você não consegue imaginar o que foi ver uma mulher se jogar no chão e sair de gatinho, se arrastando de mansinho por baixo das mesas até a saída. Acho que estava se escondendo do marido ou do filho. Sempre damos risada quando lembramos’’, conta Santos, que se considera um pé de valsa. (R.U.)

Pista em chamas



O professor de dança gaúcha Xirú Pampeano não entende o jeito do povo curitibano dançar: ‘‘É falsificação isso!’’

Rosaldo Pereira, 60, é o DJ. Veste um chapéu que não é o que ganhou de Sérgio Reis. ‘‘O cantor me deu um de presente. Quando visitou o clube me entregou e disse: ‘Rosaldão, esse é para te dar sorte’.’’ O original queimou junto com toda a estrutura do clube, em 2006, quando funcionava na Travessa da Lapa. Naquela época, o espaço recebia mais de 700 pessoas nos dois salões. Pereira não tinha seguro e estima suas perdas em R$ 600 mil. Alguns suspeitam de incêndio criminoso, mas ele acredita na sugestão dos bombeiros: curto circuito na cozinha. ‘‘O duro foi que era a única parte que faltava reformar. Já tinha comprado tudo: cimento, encanamento, azulejos. A reforma seria no final do ano.’’ O incêndio chegou pouco antes, em setembro.

O atual endereço na Barão do Rio Branco 580, comporta menos pessoas. No último domingo, foram 156 homens e 182 mulheres.

Os trajes são variados, mas o que chama mais atenção é o do gaúcho que se veste com as cores do Internacional. ‘‘Você quer o nome artístico ou de batismo?’’, questiona o homem de bombacha, bota branca e faixa vermelha na cabeça. ‘‘De batismo, sou Joel Pereira. Mas me conhecem como Xirú Pampeano. Sou uma lenda viva.’’ Ele explica. É uma lenda, pois é tataraneto de Sepé Tiarajú, um índio que teria protegido a fronteira oeste do Rio Grande do Sul.

Xirú é professor de dança gaúcha e dançarino dos bons. Atravessa o salão, sempre renovando os parceiros. Não nega fogo. ‘‘Pode ter 40, 50 ou 100 anos, eu vou aceitar o convite da prenda e dançar.’’ Pouco depois, explica que não convida as ‘‘prendas’’, pois já viu muitas delas rejeitando pedidos no salão. Xirú dá aulas há 24 anos. ‘‘Já viajei o País todo. Mas o povo que dança pior a dança gaúcha é o curitibano.’’ O vanerão, vanera e bugil, que segundo o professor originalmente são dançados no compasso dois e dois, em Curitiba são no dois e um. ‘‘É uma falsificação.’’ (R.U.)

Nós que somos jovens


O dançarino de axé Wellington Lopes, 16 anos, demorou para se acostumar, mas agora adora a dança gaúcha

Derblay Ferreira, 21 anos, foi levado ao baile por sua avó Elcimar, 57. Conheceu ali a ex-namorada, com quem ficou por três anos. Foi ali também que encontrou Pricila, com quem está junto há 20 dias. ‘‘Mas já estou apaixonado.’’ Se a música gaúcha e as danças de salão podem afugentar os jovens, esse não é o caso de Ferreira e tampouco o de Wellington Lopes, 16. Enquanto seus amigos vão para o Planeta Ibiza, no Boqueirão, e no clube Millenium, em Pinhais, redutos da música eletrônica, Lopes vai ao Clube dos Solitários.

O jovem já foi dançarino de axé e conta que foi difícil se adaptar e curtir o estilo gaúcho. Vai no baile todos os domingos, o dia mais concorrido. Há um mês, conheceu Jéssica, sua alma gêmea, mas a aliança de compromisso deixou em casa. ‘‘Sou honesto. Quando fico com alguém, conto para ela e justifico dizendo que ela não foi. Ela também faz isso. Somos sinceros’’, diz. ‘‘A mulherada dá em cima dos piá mais novo, mas estou em busca das meninas.’’

Rosaldo Pereira se diverte e brinca com os mais jovens. Muitas vezes, serve de cupido, e anuncia no microfone o pseudônimo de alguém que pela troca de cartas na rádio marcou um encontro. E se ele, Rosaldo, tivesse que pensar em um pseudônimo? Ele hesita. ‘‘Locutor solitário’’, responde com certa alegria. E como você se descreveria se mandasse uma carta ao programa? ‘‘Jornalista, radialista, humilde, simples. Bom marido não sei se posso dizer que sou, bom pai, alto (1m80), 82 kg, cabelos castanhos claros. Acho que seria assim’’, conta o responsável por casamentos e encontros a fio, casado há 28 anos com Karen, que o acompanha em sua jornada. (R.U.)


SERVIÇO:
- Clube dos Solitários: em nome do amor
Às sextas-feiras, das 18 às 24 horas, entrada franca; aos sábados, das 16 às 24 horas, entrada livre até às 18 horas, depois feminino R$ 3 e masculino R$ 5; aos domingos, das 14 às 22 horas, feminino R$ 3 e masculino R$ 5.
Rua Barão do Rio Branco, 580
Contato: 41-3019-6160

- Quadro Casamenteiro
Rádio Colombo 1.020 kHz AM
Segunda à sexta-feira, das 22 às 23 horas
Contato: 3322-8483

* Reportagem originalmente publicada no Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 08/07/2008.


Making-of

Sobre o texto: um universo mágico

Ponto de partida: ouvi falar pela primeira vez do Clube dos Solitários no Carnaval de Curitiba, em 2006. Um jornalista, cujo nome não me lembro, comentou daquele universo fascinante. Na abertura da exposição da Magnum, na Capital, encontrei o redator Carlos Kenji, que me contou sobre o seu projeto fotográfico feito no clube, o que me reacendeu a vontade de fazer uma reportagem a respeito do tema.

A reportagem: conversei com o Carlos Kenji, que me contou detalhes sobre o clube e o programa. Através da Rádio Colombo, consegui contatar o Rosaldo, que foi absolutamente acessível. No dia seguinte, acompanhei a gravação de seu programa – ainda que exibido à noite, é gravado de tarde. Ele fez cópias de algumas das cartas que leu naquele dia, o que me permitiu reproduzir alguns trechos. Para a reportagem, optei por corrigir os erros gramaticais e de português, evidenciando o conteúdo dos textos. A postura é semelhante àquela que Rosaldo toma ao ler as cartas no ar. Ele chega a deixá-las mais bonitas quando faz a leitura. A rádio é um ambiente curioso, um espaço que mantém marcas de outros tempos e que ainda guarda a parte de seu acervo em vinil.

No domingo seguinte, acompanhei o baile em seu dia mais cheio. É, definitivamente, um universo à parte. Mas, de algum modo, se aproxima do ambiente de um baile da terceira idade. Foi bastante curioso ver a molecada mais jovem presente. Em certo momento, me lembrei de uma cena de “Chega de Saudade”, filme de Laís Bodanzky. Enquanto eu entrevistava um casal, uma senhora me deu uma baita beliscada na bunda. Como os jovens entrevistados comentam na matéria, as mulheres dão em cima mesmo.

s, evidenciando o contepor corrigir os erros gramaticais e de portuguitiu reproduzir alguns trechos.

Repercussão: a turma do baile ligou no jornal perguntando quando sairia a reportagem. Rosaldo comprou 15 exemplares da Folha de Londrina para levar ao clube. Conta que ficou muito feliz e comentou sobre a matéria em seu programa de rádio.

Erros, lapsos e confusões: escrevi para chuchu, o que obrigou a editora a cortar um box que explicava sobre o projeto de Carlos Kenji a respeito do clube. Projeto que, efetivamente, me motivou a fazer esta reportagem. O resultado, uma seqüência de fotografias do baile e reprodução de cartas enviadas ao programa acompanhadas de trilha sonora, é excelente, mas, infelizmente, não está disponível na Internet. O Carlinhos comentou que achou um tanto complicado disponibiliza-lo, mas, espero, que em alguma hora ele mude de idéia. É um projeto muito bacana. Abaixo, antes tarde do que nunca, reproduzo o trecho não-publicado sobre a proposta e uma das imagens feitas por ele, que abre esta postagem.

Fotos do clube

Carlos Kenji

Carlos Kenji fez um trabalho fotográfico sobre o Clube dos Solitários, que o intrigava

O redator e estudante de Filosofia Carlos Kenji, 33, mora há poucas quadras do Clube dos Solitários. Sempre que passava na frente e via a fila na entrada, ficava intrigado pelo local. ''Os dois nomes são termos quase que opostos. Enquanto 'clube' indica reunião de pessoas, 'solitários' é algo de uma pessoa só. É um nome que chama muito à atenção.'' Quando teve de escolher o tema para o Curso de Fotografia Documental, do Núcleo de Estudos da Fotografia (NEF), não teve dúvidas. Nos domingos de setembro a novembro de 2007, acompanhado de sua câmera, o clube virou seu ponto de encontro.

''Encontrei de tudo: casais que deram certo e que sempre voltavam lá, pessoas que vão para dançar e muita gente que está sempre sozinha.'' Kenji conta que tinha receio de como seria recebido, mas foi surpreendido pelo carinho e gentileza das pessoas. Aos poucos deixou de ser um estranho com uma câmera e passou a se relacionar com o local. As cartas do programa de rádio acabaram direcionando o seu trabalho, que se tornou uma projeção com fotografias e trilha sonora. ''O recorte é que, no fundo, as pessoas estão procurando. O que não é diferente dos outros bares na cidade, onde os freqüentadores também estão em busca de alguém.''

De seu trabalho, ficou um mural de fotos no clube. E Kenji virou freqüentador? ''Voltei uma vez para dar um oi para o pessoal. Não vou mais lá porque sou boêmio. O meu horário para sair é só depois das 23 horas.'' (R.U.)