sexta-feira, 18 de julho de 2008

Queijo minas frescal com goiabada cascão

Ficção

Refresco de número 04: Tang sabor uva.


Rafael Urban

Equipe da Folha


Foto: Nicole Lima











Eu sei, o Dia dos Namorados já passou faz tempo. Mas com essa não pude me segurar. Imagine um presente ruim. Agora, adicione litros de leite e espere as bactérias fazerem o seu trabalho. Processe tudo até que vire queijo. E então pegue o resultado e dê para o seu namorado de presente. Ta aí o que a Valéria deu ao Jofre: dois quilos de queijo minas frescal.

Eu também quase não acreditei. E perguntei, assim só por perguntar, o que ela deu no Dia dos Namorados anterior. “Ah, no ano passado, eu fiz vinho tinto. Pisei nas uvas e tudo”, me respondeu sem esconder a alegria. Que romântico, pensei. A parte do pisar nas uvas em especial. Mas as idéias esdrúxulas não param aí. “Quer saber dos regalos que dei em anos anteriores? Você sabe estamos juntos há 12.” Bem, a palavra regalo já me assustou e fiquei curioso para saber do que uma pessoa que usa aquele termo seria capaz.

“Em 2006, foi um presente grego”, conta enquanto ri fazendo “hihihi”. Presente de grego foram todos, pensei. “Fiz um jantar à grega. Quebramos pratos juntos até que os vizinhos chamaram a polícia. Quase fomos presos”, diz, completando com o “hihihi”. Ta aí mais um presente emocionante, pensei. “Em 2005, foi a coleção de yo-yos. Achei em diferentes antiquários. Consegui até o Galaxy, aquele da marca de refrigerante e cheio de purpurina.”

Fiquei me perguntando das motivações. O Jofre nunca foi campeão de yo-yo e tinha certa aversão a leites e derivados. De alcoólico, a única vez que vi ele colocar algo na boca foi uma cerveja preta. “Posso continuar?”, disse ela interrompendo meus pensamentos. “Em 2004”, continuou sem esperar eu responder que podia, “foi o mais legal”. Lá vem, pensei. “Eu enchi a banheira lá de casa com sagu de vinho branco. Você sabe o que é sagu?”, me perguntou. Eu sabia que não precisava dizer que sim. “E daí eu e Jofre tomamos banho juntos. Não é romântico?”. Não, não é, pensei sem dizer uma palavra.

Resolvi deixar a corda esgotar. “Um ano antes, em 2003”, sim, 2003, registrei mentalmente enquanto a Valéria hesitava. “Em 2003, não dei presente.” Nessa eu não acreditei. Optei por me fazer de bobo e ficar em silêncio. “Tá, eu conto”, disse ela sem me deixar fazer papel de bobo por muito tempo. “Levei o Jofre no motel”, me disse como se confessando um pecado moral. Por Deus, que fora do padrão do casal, pensei. “Lá tinha um leitão à pururuca nos esperando com uma mesa farta”, completou. Sabia que tinha algo aí, pensei.

E você nunca ganhou presentes, perguntei. “Ah, sempre ganho e são dos bons”, me respondeu. Ah, é, questionei. “Sim”, respondeu. O que ganhou em troca dos dois quilos de queijo minas frescal. “Ah, nessa o Jofre acertou em cheio. Me deu um presente artesanal, que ele mesmo fez na panela”, me disse Valéria. Pinhão, pensei eu. “Foram dois quilos e meio de goiabada cascão.” Ta aí, nada mais provável, Romeu e Julieta.


* Conto originalmente publicado na sessão Ligeiras do Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 18/07/2008.

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