quarta-feira, 18 de junho de 2008

Histórias de outros invernos

Segundo a Astrologia, o inverno chega na sexta-feira, às 20h59. Mas, com a ajuda do La Niña, não deve vir com muita força

Rafael Urban
Equipe da Folha*


Theo Marques
Maneco Doria acredita que a pasteurização diária, passando do frio ao calor, faz o curitibano ter longa vida

''Cinco horas da tarde e está escuro desse jeito!'', reclama um senhor com seus cinqüenta e poucos anos ao sair da Biblioteca Pública do Paraná de guarda-chuva em punho e cachecol no pescoço. Nos três minutos seguintes do fim de tarde frio e chuvoso, passariam 74 pessoas protegidas com seus paráguas na mão pela Rua Cândido Lopes. São capotes, bonés e um, desprevenido, veste bermuda. ''A coisa que mais me chamou à atenção quando cheguei em Curitiba é que parece que o pessoal daqui não sente frio. Mesmo com vento gelado, as meninas usam camiseta de barriga de fora!'', exclama o marceneiro gaúcho Orli Bianchin, que mora na cidade há seis anos.

Na sexta-feira, às 20h59, chega, oficialmente, o inverno. Mas, apesar das baixas temperaturas dos últimos dias, o paranaense pode ficar tranqüilo: ele vem mais ameno que o do ano passado. ''E será, a princípio, um inverno típico. As chuvas com normalidade ou até ligeiramente abaixo'', explica Lizandro Jacobsen, meteorologista do instituto tecnológico Simepar.

Sua dissertação de mestrado foi sobre El Niño e La Niña, grandes responsáveis por alterações climáticas. Esta última terá relação direta com as temperaturas do Estado nos próximos meses. ''La Niña provoca passagens mais rápidas de frentes frias. E não tendo o suporte de umidade, encontrando esse ar mais seco, evita (sua permanência)'', explica.

O veranico de maio, que nem sempre acontece no mês, desta vez foi na segunda quinzena. Causado pela ausência de chuvas prolongadas, ele fez com que as temperaturas ficassem mais altas, um clima típico de outono.

De outros invernos

Manoel Doria, o seo Maneco Doria, nasceu em Capinzal, no Vale do Rio do Peixe, em Santa Catarina. Considera-se portador de dupla cidadania estadual, pois, aos dois anos, foi morar em Palmas, interior do Paraná, cidade que considera a mais fria do Estado. Foi lá que passou o inverno mais gelado de sua vida. ''Tinha quatro anos e me lembro muito bem. E olha que, quando criança, a gente sente menos frio.''

Da infância, Maneco, publicitário e diretor de relações públicas do Clube Curitibano, também lembra das fotos da neve de 1928 que seu pai, médico militar, lhe mostrava. Em 1975, na manhã de julho guardada na memória de muitos curitibanos, abriu as janelas e viu a cidade toda branca. ''Foi motivo de festa. Parecia festival.''

Naquele dia, Doria foi na inauguração de uma indústria de tecidos alemã na Cidade Industrial de Curitiba. Com a ajuda do tradutor, perguntou ao presidente da empresa o que ele tinha achado da neve curitibana. ''Tão boa quanto a nossa'', lhe respondeu.

O frio extremo, porém, nem sempre tem clima de festa. Na nevasca gaúcha de 1965, o marceneiro Orli Bianchin tinha 17 anos. ''No primeiro dia, tava todo mundo brincando e faceiro. O que no começo foi alegria, depois virou desespero.'' Lembra que, em Lagoa Vermelha, sua cidade natal, com o peso da neve, várias casas vieram abaixo.

Foi em um dia com neve a meio metro que nasceu a catarinense Anita Duarte, moradora de Curitiba há 22 anos. ''Quando olham para a minha identidade, comentam duas coisas. Que sou filha de um Luis Inácio da Silva e que sou da cidade fria.''

Anita, 66, nasceu em São Joaquim, onde morou em uma casa com forno a lenha, e conta que já passou diversas vezes por baixíssimas temperaturas. Diz que em Curitiba é frio, mas como já passou muito por isso não estranha. Conta também que no Paraná não é tão gelado como em Santa Catarina. ''Antes, era inverno direto. Agora é misturado: inverno e calor juntos.''

Às 7h15 de uma sexta-feira, no vestiário do Clube Rio Branco, no Boa Vista, as mulheres, com idades entre 50 e 55, reclamam da baixa temperatura. Da turma da hidroginástica, Anita é a mais velha, mas conta que tem 50. ''As outras são todas paranaenses. Não adianta, elas não se acostumam. Nem tava frio.''

O publicitário Maneco Doria, que também é músico e artista plástico, entende que os paranaenses têm uma vantagem sobre os moradores de outros Estados. ''Como temos as quatro estações em um dia, estamos pasteurizados. É como no processo do leite, que passa pelo quente e depois pelo frio e que permite que fique firme por um longo tempo.'' Doria acredita que essa experiência diária permite que aquele que more aqui tenha condições de viver por mais tempo.


BOX
Pés de café na Capital

Letícia Moreira

Para não riscar os carros, a sugestão de Omar Cezario que plantou café no Centro Cívico é de aparar os pés com certa freqüência

O agrônomo Wilian Ricce, pesquisador da Agroconsult, sentencia. ‘‘Pelo risco que calculamos, é inviável. Não tem como ter uma produção comercial de café no Sul do Estado.’’ A avaliação mostrada no mapa desta página sugere que as cidades em verde são aquelas próprias para o cultivo de café, pois sofrem geadas esporádicas: no máximo uma a cada quatro anos.

O bancário Omar Cezario não leu as regras e tampouco o estudo de Ricce. Nos anos 1970, trabalhava como instrutor de crédito rural do hoje extinto Bamerindus. Por isso, viajava com freqüência ao Norte do Estado. Veio para Curitiba com o pai Odilon, com quem vivia em Jaguapitã. Em uma das viagens ao Norte, o pai lhe fez um pedido especial: que lhe trouxesse pés de café na bagagem. O pedido que muitos levariam com assombro, Cezario levou com naturalidade e, de Marialva, trouxe ‘‘trinta e poucas mudas’’.

Plantadas no final dos anos 1970 no fundo da casa em que viviam na Rua Augusto Severo, no Centro Cívico, nem todas sobreviveram. ‘‘Conforme a geada, queimava um pouco. Mas os prédios em redor as protegiam’’, explica Cezario.

O pai, Odilon, faleceu há seis anos, com 96. Até os 90, cuidava dos 12 pés de café sobreviventes e hoje um tanto abandonados. ‘‘Tomei café de lá por muitos anos. Depois da morte do pai, deixei um pouco de lado. Quem mora lá hoje é meu sobrinho.’’

Cezario, 68, explica que colhia café todos os anos, mas, em 2007, teve uma surpresa. ‘‘Quando fui colher, já tinham feito o trabalho para mim. Alguém entrou na casa e levou toda a produção.’’

O trabalho do sobrinho Dilvan Gracino, neto dos músicos Belarmino e Gabriela, é de cortar os pés, que, quando ficam muito grandes, riscam os carros. ‘‘Ah, mas se ele plantava para consumo próprio e em uma área protegida eu até acredito. Quero ver ele plantar um hectare inteiro’’, brinca o agrônomo Ricce. (R.U.)


* Reportagem originalmente publicada no Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 18/06/2008.

Sobre o texto: foi curioso ver a foto que ilustra a matéria: a fotografia de seo Maneco Doria mais parece uma imagem publicitária.

Ponto de Partida: o pedido da pauteira Maigue Guets foi o de fazer uma matéria sobre o inverno, contando um pouco como seria o deste ano. Sugeri que conversássemos com moradores de longa data na cidade. Sugestão que foi acatada.

A reportagem: estava na frente da Biblioteca Pública aguardando um personagem de outra matéria com quem tinha marcado uma entrevista. Com a chuva, fiquei fascinado com a quantidade e variedade de guarda-chuvas que passavam ali na frente e, efetivamente, fiz a contagem que resulta em 74, número que aparece na matéria. Pouco depois, no mesmo período de espera, conversei com o marceneiro Orli Bianchin, que aguardava a chuva passar e que acabou virando um personagem da reportagem. A jornalista Marcela Rocha Mendes, colega de redação, sugeriu que eu conversasse com o seo Maneco Doria, com quem havia trabalhado no Clube Curitibano e que acabou sendo um dos principais personagens.

Repercussão: a pergunta que mais ouvi foi: “Você realmente contou por três minutos quantas pessoas passaram de guarda-chuva?”

Erros, lapsos e confusões: aqui, uma situação engraçada. Na mesma semana, a Gazeta do Povo, jornal de Curitiba, publicou uma reportagem, com outro meteorologista do Simepar (mesmo instituto que consultei), que sugeriu que o inverno seria um pouco mais frio que o do ano passado. O que não é verdadeiramente um lapso, mas uma sugestão de que eu poderia ter recorrido a mais fontes.

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