quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Maricleide e o dia triste




Refresco, olha o refresco! Mais um conto publicado na sessão Histórias do Caderno Curitiba e escrito entre uma reportagem e outra. As fotos mais uma vez são de Nicole Lima, fotógrafa e autora do blog niwonderland.blogspot.com

Rafael Urban
Equipe da Folha*

O que mais me espantou no comentário de Maricleide - "hoje é o dia mais triste de minha vida" – não foi o fato de ela tê-lo proferido no dia do meu casamento, mas a importante consideração de que sua mãe havia falecido uma semana antes. Refletindo, logo me dei conta de que ela faria um escândalo no altar – eu já deixara claro que minha decisão não tinha volta, que eu amava Ana.

Não tive dúvidas, pedi para o Igor, meu irmão, grudar nela. Atendendo minha solicitação, assim que Maricleide, tal como podia se esperar, de preto, entrou na igreja, lá estava Igor, com a desculpa de bater um papo, conversando e logo se sentando ao seu lado. Como se o feitiço tivesse virado contra o feiticeiro, ela aproveitou-se do fato que estava com alguém da família do noivo e ficou a três fileiras do altar em que já estávamos eu, o padre e de onde, logo, estaria também Ana, minha noiva.

A bolsa de Maricleide, vermelha, parecia grande o suficiente para carregar uma arma do tamanho de um 38. Ela sorria e a cada movimento sutil de seus lábios eu ficava mais certo que veria sangue sobre a grinalda, em um vermelho escuro como o da bolsa da assassina. Inclusive, sonhei com isso antes mesmo de receber a mensagem de texto, via celular, em que Maricleide explicava o quão triste era o dia de hoje para a sua pessoa.

Aqui cabe um parênteses importante. Maricleide foi minha namorada quando dos meus 17 anos. Minha idade, hoje, não importa, mas é suficiente dizer que a adolescência já passou faz muito tempo. Ela, porém, sempre fez questão de deixar claro que o tempo, para ela, nunca passou. A cada encontro fortuito, consegue demonstrar que vive como se tivéssemos 17 anos para sempre.

Igor conversando com ela me deixa mais tranqüilo. Meu irmão seria, sem dúvidas, rápido o suficiente para interromper qualquer possível loucura dessa desmiolada. A marcha nupcial começa, Ana entra. Está linda. Enquanto os olhos da platéia seguem a noiva, os meus se encarregam de vigiar Maricleide, que conversa com Igor como se Ana, linda, ou mesmo eu, não estivéssemos lá.

Eu dou as costas para Maricleide, Igor e todos os familiares. Não esqueço o temor, que segue comigo. Respondo ao padre, beijo Ana. E desejo ter filhos com essa mulher – dias depois, descobriria que ela já estava grávida. Não ouço tiros. O casamento acaba. Comemoramos em uma churrascaria.

Sugiro para Igor que deixe Maricleide em paz. Ele diz que não. Decidiram, antes do padre casar a mim e Ana, que são almas gêmeas o suficiente para ficarem juntos. E, naquela mesma noite, Igor e Maricleide, os dois tirando proveito da ocasião, anunciaram que se casam em novembro.

* Conto originalmente publicado no Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 01/10/2008.

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