sexta-feira, 18 de julho de 2008

Queijo minas frescal com goiabada cascão

Ficção

Refresco de número 04: Tang sabor uva.


Rafael Urban

Equipe da Folha


Foto: Nicole Lima











Eu sei, o Dia dos Namorados já passou faz tempo. Mas com essa não pude me segurar. Imagine um presente ruim. Agora, adicione litros de leite e espere as bactérias fazerem o seu trabalho. Processe tudo até que vire queijo. E então pegue o resultado e dê para o seu namorado de presente. Ta aí o que a Valéria deu ao Jofre: dois quilos de queijo minas frescal.

Eu também quase não acreditei. E perguntei, assim só por perguntar, o que ela deu no Dia dos Namorados anterior. “Ah, no ano passado, eu fiz vinho tinto. Pisei nas uvas e tudo”, me respondeu sem esconder a alegria. Que romântico, pensei. A parte do pisar nas uvas em especial. Mas as idéias esdrúxulas não param aí. “Quer saber dos regalos que dei em anos anteriores? Você sabe estamos juntos há 12.” Bem, a palavra regalo já me assustou e fiquei curioso para saber do que uma pessoa que usa aquele termo seria capaz.

“Em 2006, foi um presente grego”, conta enquanto ri fazendo “hihihi”. Presente de grego foram todos, pensei. “Fiz um jantar à grega. Quebramos pratos juntos até que os vizinhos chamaram a polícia. Quase fomos presos”, diz, completando com o “hihihi”. Ta aí mais um presente emocionante, pensei. “Em 2005, foi a coleção de yo-yos. Achei em diferentes antiquários. Consegui até o Galaxy, aquele da marca de refrigerante e cheio de purpurina.”

Fiquei me perguntando das motivações. O Jofre nunca foi campeão de yo-yo e tinha certa aversão a leites e derivados. De alcoólico, a única vez que vi ele colocar algo na boca foi uma cerveja preta. “Posso continuar?”, disse ela interrompendo meus pensamentos. “Em 2004”, continuou sem esperar eu responder que podia, “foi o mais legal”. Lá vem, pensei. “Eu enchi a banheira lá de casa com sagu de vinho branco. Você sabe o que é sagu?”, me perguntou. Eu sabia que não precisava dizer que sim. “E daí eu e Jofre tomamos banho juntos. Não é romântico?”. Não, não é, pensei sem dizer uma palavra.

Resolvi deixar a corda esgotar. “Um ano antes, em 2003”, sim, 2003, registrei mentalmente enquanto a Valéria hesitava. “Em 2003, não dei presente.” Nessa eu não acreditei. Optei por me fazer de bobo e ficar em silêncio. “Tá, eu conto”, disse ela sem me deixar fazer papel de bobo por muito tempo. “Levei o Jofre no motel”, me disse como se confessando um pecado moral. Por Deus, que fora do padrão do casal, pensei. “Lá tinha um leitão à pururuca nos esperando com uma mesa farta”, completou. Sabia que tinha algo aí, pensei.

E você nunca ganhou presentes, perguntei. “Ah, sempre ganho e são dos bons”, me respondeu. Ah, é, questionei. “Sim”, respondeu. O que ganhou em troca dos dois quilos de queijo minas frescal. “Ah, nessa o Jofre acertou em cheio. Me deu um presente artesanal, que ele mesmo fez na panela”, me disse Valéria. Pinhão, pensei eu. “Foram dois quilos e meio de goiabada cascão.” Ta aí, nada mais provável, Romeu e Julieta.


* Conto originalmente publicado na sessão Ligeiras do Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 18/07/2008.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

De pá que se foi

Ficção

O refresco de número zero três; o meu terceiro conto publicado na sessão “Ligeiras” do Caderno Curitiba*. A partir deste, começa uma parceria com a amiga e fotógrafa Nicole Lima**.

Foto: Nicole Lima

Essa é uma história que começa em seu final. E o ambiente não é dos mais acolhedores. Foi em uma família meio tradicional, meio atípica e meio estranha que nasceu... Wal Carlos. Eu sei, seu nome não era dos mais inspiradores. Ele morreu no dia de hoje e é deste momento que começo a contar sua trajetória: olhando para a sua sepultura no cemitério municipal da cidade.

Se você tivesse ido ao funeral, teria lido na lápide: “Aqui, neste exato lugar, faleceu, de modo trágico, o grande, brilhante e futuro magnífico poeta Wal Carlos”. O jovem, de talento apontado na própria tumba, parecia mediano, pois escondia suas grandes qualidades, as mesmas hoje enterradas com ele no cemitério municipal.

De suas idéias, de sua arte, de seus poemas, não deixou registro. Wal Carlos exclamava aos quatro ventos: essa arte guardarei para mim. Na cabeça, roteiros de longas-metragens decupados plano a plano. Na memória, quadros iluminados à perfeição renascentista que nunca experimentaram tinta.

Conversava com estátuas e, no cemitério, tinha seus mortos favoritos, com quem, dizem, trocava idéias. Rodrigo Jorge, colega de trabalho, suspeita ter ouvido recitais de poemas que tinha como único público os não-vivos daquele lugar.

O espaço favorito de Wal Carlos nas horas de folga era o mausoléu abandonado da família Plainus. Lá sonhava em cobrir as paredes e a redoma com suas obras e projetar seus vídeos não-filmados. Usaria o local como uma instalação permanente. Imaginava cada detalhe, cada espaço preenchido com uma obra de arte sua.

Wal Carlos jurava que somente materializaria a sua arte quando esta chegasse à sua maturidade. Morreu antes. De morte esquisita, mal explicada. Era coveiro e foi de pá que se foi, caindo no lugar certinho, onde permanece.

* Conto originalmente publicado na sessão Ligeiras do Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 09/07/2008.

** Nicole vai selecionar fotografias que, de algum modo, dialoguem com os contos. A fotógrafa é a responsável pelo paralelo: centro de artes visuais, um espaço que, em agosto, comemora um ano de boa programação e presença marcante na vida cultural de Curitiba. Juntos temos um blog fotográfico que atualizamos com pouca freqüência. O paralelo divulga um zine semanal, o qual colaborei pela primeira vez recentemente.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Clube da solidão

Quatro mil casamentos depois, o programa Quadro Casamenteiro e o Clube dos Solitários seguem firmes e fortes

Rafael Urban
Equipe da Folha*


Mauro Frasson
Rosaldo Pereira lê as cartas de ouvintes com pseudônimos como ‘‘Leonino em busca de sua leoa’’

Fotos: Diego Singh
No salão, os casais dançam agarradinhos, o que tem atraído a presença dos mais jovens

‘‘Sabe, Rosaldo, este mundo é tão grande que, de repente, a pessoa que eu quero está aí do outro lado e eu aqui. Então, quem sabe, ele está agora ouvindo o Sr. ler a minha cartinha.’’

Estrela Verde nº. 68



Rosaldo Pereira já perdeu as contas de quantas cartas leu em seu ‘‘Quadro Casamenteiro’’, programa que apresenta na Rádio Colombo 1.020 kHz AM, de Curitiba, desde 1982. Os convites para os casamentos de pessoas que se conheceram pela emissora ele parou de guardar e contar quando chegaram aos quatro mil, o que aconteceu há oito anos. ‘‘O mais interessante foi a história de um casal que estava se correspondendo por cartas. Você não imagina o susto deles quando se encontraram. Os dois eram vizinhos há décadas e moravam a três quadras um do outro’’, conta Rosaldo, que afirma que os dois estão juntos até hoje.

Os ouvintes usam pseudônimos. ‘‘Evangélica a espera de um cristão’’, ‘‘Júnior nº. 18’’, ‘‘Parafuso atrás de uma porca’’, ‘‘Leão em busca de sua leoa’’. O ponto de encontro, muitas vezes, é o Clube dos Solitários: em nome do amor. A história do baile, organizado pelo locutor, inicia-se em 1989, na sede social do Clube Juventus. Começou pequeno e motivado pelos ouvintes do programa. Com 20, 40, depois 100 pessoas.

Em 1989, Nilda Hanq estava viúva há oito anos e em depressão, sem muita vontade de sair de casa. ‘‘Me arrumei bem. Mas, quando cheguei ao baile, o que me impressionou foi aquela quantidade de velhos, muito mais velhos do que eu.’’ Pouco depois, foi conquistada pelo ambiente, pela simplicidade e honestidade das pessoas. Acabou virando a madrinha. Na única carta que escreveu ao programa de rádio, assinou como ‘‘Amor perfeito’’. ‘‘Como a flor, detalhada como se fosse desenhada por um grande pintor.’’ Recebeu dez respostas e foi ao encontro do ‘‘Leonino Triste’’. ‘‘Mas, quando o vi, desisti. Ele era um homem triste e eu sou alegre.’’



‘‘Eu sou evangélico, solteiro, 63 anos, 1m70, 70 quilos, cor clara, sem vícios. Totalmente livre, amoroso e justo! Sou pedreiro, carpinteiro, marceneiro, mecânico de bicicleta, cozinheiro, lavador de roupas, jardineiro, pintor de placas.’’

Do pseudônimo, Um amigo cristão que topa tudo por amor e dinheiro!



Zelina Aparecida Cardoso recebe as cartas na Rádio Colombo há 23 anos. ‘‘O pessoal fala que é alto, mas não é. Que é magro, mas não é. Diz que é bonito, mas vixe!’’. Ao custo de R$ 8, cada uma delas é lida no ar por Rosaldo. De voz imponente e a experiência de mais de 40 anos no rádio, ele as torna mais bonitas no programa que apresenta de segunda a sexta, das 22 às 23 horas.

Baile é ponto de encontro dos casais


‘‘Meus filhos foram indo, cada um cuidar de sua vida. E eu fiquei sozinha e a solidão é muito dolorosa, muito triste. Durante o dia eu saio, sempre tenho alguma coisa para fazer. Mas à noite a solidão é esmagante.’’

Libriana Carente


Às sextas, sábados e domingos acontece o Clube dos Solitários: em nome do amor. Lá, librianas carentes, leões solitários e geminianos à procura se encontram. Nas sextas-feiras, tem aula de dança. Neiva de Fátima, 49 anos, coordena o grupo de professores voluntários. ‘‘Hoje, as mulheres estão muito mais atacadas e chegam junto nos homens’’, conta a professora que também conheceu seu marido ali, em 2004. ‘‘Eu cheguei para ele, que tem a metade da minha idade, e disse: ‘Dançamos de um jeito parecido. Vamos fazer isso juntos?’.’’

Marcos Pauli de Lima, 25, não se incomoda com a diferença de idade. Neiva pensa diferente. ‘‘Uma vez uma moça deu em cima dele. Fui tirar satisfação e ela me pediu desculpas, pois achou que eu era a mãe.’’

Lima é um dos tantos jovens no baile. Ainda que a média de idade passe com tranqüilidade dos 40, a juventude vai em peso. ‘‘Tá dando muita rapaziada porque danceteria não tem tanto contato físico’’, explica. Ele se dá bem com a família de Neiva. A professora já arrumou esposa para o irmão e para um de seus filhos no baile. E ali aconteceu o noivado e o chá de bebê, além de outros 800 casamentos. No Clube dos Solitários, os casais dançam coladinhos no vanerão, bolero e forró.

O encontro das idades é freqüente. No canto do salão, um rapaz com vinte e muitos poucos anos está de lero-lero com uma senhora com mais de 70. ‘‘Eles estão juntos há três meses. E ela está chateada porque o viu dançando com uma moça’’, diz o sorridente Mauro dos Santos, 42, que conheceu a namorada Rosalda Boulade, 45, no baile há cinco anos. Juntos, acompanharam no salão um dos momentos mais engraçados de suas vidas. ‘‘Você não consegue imaginar o que foi ver uma mulher se jogar no chão e sair de gatinho, se arrastando de mansinho por baixo das mesas até a saída. Acho que estava se escondendo do marido ou do filho. Sempre damos risada quando lembramos’’, conta Santos, que se considera um pé de valsa. (R.U.)

Pista em chamas



O professor de dança gaúcha Xirú Pampeano não entende o jeito do povo curitibano dançar: ‘‘É falsificação isso!’’

Rosaldo Pereira, 60, é o DJ. Veste um chapéu que não é o que ganhou de Sérgio Reis. ‘‘O cantor me deu um de presente. Quando visitou o clube me entregou e disse: ‘Rosaldão, esse é para te dar sorte’.’’ O original queimou junto com toda a estrutura do clube, em 2006, quando funcionava na Travessa da Lapa. Naquela época, o espaço recebia mais de 700 pessoas nos dois salões. Pereira não tinha seguro e estima suas perdas em R$ 600 mil. Alguns suspeitam de incêndio criminoso, mas ele acredita na sugestão dos bombeiros: curto circuito na cozinha. ‘‘O duro foi que era a única parte que faltava reformar. Já tinha comprado tudo: cimento, encanamento, azulejos. A reforma seria no final do ano.’’ O incêndio chegou pouco antes, em setembro.

O atual endereço na Barão do Rio Branco 580, comporta menos pessoas. No último domingo, foram 156 homens e 182 mulheres.

Os trajes são variados, mas o que chama mais atenção é o do gaúcho que se veste com as cores do Internacional. ‘‘Você quer o nome artístico ou de batismo?’’, questiona o homem de bombacha, bota branca e faixa vermelha na cabeça. ‘‘De batismo, sou Joel Pereira. Mas me conhecem como Xirú Pampeano. Sou uma lenda viva.’’ Ele explica. É uma lenda, pois é tataraneto de Sepé Tiarajú, um índio que teria protegido a fronteira oeste do Rio Grande do Sul.

Xirú é professor de dança gaúcha e dançarino dos bons. Atravessa o salão, sempre renovando os parceiros. Não nega fogo. ‘‘Pode ter 40, 50 ou 100 anos, eu vou aceitar o convite da prenda e dançar.’’ Pouco depois, explica que não convida as ‘‘prendas’’, pois já viu muitas delas rejeitando pedidos no salão. Xirú dá aulas há 24 anos. ‘‘Já viajei o País todo. Mas o povo que dança pior a dança gaúcha é o curitibano.’’ O vanerão, vanera e bugil, que segundo o professor originalmente são dançados no compasso dois e dois, em Curitiba são no dois e um. ‘‘É uma falsificação.’’ (R.U.)

Nós que somos jovens


O dançarino de axé Wellington Lopes, 16 anos, demorou para se acostumar, mas agora adora a dança gaúcha

Derblay Ferreira, 21 anos, foi levado ao baile por sua avó Elcimar, 57. Conheceu ali a ex-namorada, com quem ficou por três anos. Foi ali também que encontrou Pricila, com quem está junto há 20 dias. ‘‘Mas já estou apaixonado.’’ Se a música gaúcha e as danças de salão podem afugentar os jovens, esse não é o caso de Ferreira e tampouco o de Wellington Lopes, 16. Enquanto seus amigos vão para o Planeta Ibiza, no Boqueirão, e no clube Millenium, em Pinhais, redutos da música eletrônica, Lopes vai ao Clube dos Solitários.

O jovem já foi dançarino de axé e conta que foi difícil se adaptar e curtir o estilo gaúcho. Vai no baile todos os domingos, o dia mais concorrido. Há um mês, conheceu Jéssica, sua alma gêmea, mas a aliança de compromisso deixou em casa. ‘‘Sou honesto. Quando fico com alguém, conto para ela e justifico dizendo que ela não foi. Ela também faz isso. Somos sinceros’’, diz. ‘‘A mulherada dá em cima dos piá mais novo, mas estou em busca das meninas.’’

Rosaldo Pereira se diverte e brinca com os mais jovens. Muitas vezes, serve de cupido, e anuncia no microfone o pseudônimo de alguém que pela troca de cartas na rádio marcou um encontro. E se ele, Rosaldo, tivesse que pensar em um pseudônimo? Ele hesita. ‘‘Locutor solitário’’, responde com certa alegria. E como você se descreveria se mandasse uma carta ao programa? ‘‘Jornalista, radialista, humilde, simples. Bom marido não sei se posso dizer que sou, bom pai, alto (1m80), 82 kg, cabelos castanhos claros. Acho que seria assim’’, conta o responsável por casamentos e encontros a fio, casado há 28 anos com Karen, que o acompanha em sua jornada. (R.U.)


SERVIÇO:
- Clube dos Solitários: em nome do amor
Às sextas-feiras, das 18 às 24 horas, entrada franca; aos sábados, das 16 às 24 horas, entrada livre até às 18 horas, depois feminino R$ 3 e masculino R$ 5; aos domingos, das 14 às 22 horas, feminino R$ 3 e masculino R$ 5.
Rua Barão do Rio Branco, 580
Contato: 41-3019-6160

- Quadro Casamenteiro
Rádio Colombo 1.020 kHz AM
Segunda à sexta-feira, das 22 às 23 horas
Contato: 3322-8483

* Reportagem originalmente publicada no Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 08/07/2008.


Making-of

Sobre o texto: um universo mágico

Ponto de partida: ouvi falar pela primeira vez do Clube dos Solitários no Carnaval de Curitiba, em 2006. Um jornalista, cujo nome não me lembro, comentou daquele universo fascinante. Na abertura da exposição da Magnum, na Capital, encontrei o redator Carlos Kenji, que me contou sobre o seu projeto fotográfico feito no clube, o que me reacendeu a vontade de fazer uma reportagem a respeito do tema.

A reportagem: conversei com o Carlos Kenji, que me contou detalhes sobre o clube e o programa. Através da Rádio Colombo, consegui contatar o Rosaldo, que foi absolutamente acessível. No dia seguinte, acompanhei a gravação de seu programa – ainda que exibido à noite, é gravado de tarde. Ele fez cópias de algumas das cartas que leu naquele dia, o que me permitiu reproduzir alguns trechos. Para a reportagem, optei por corrigir os erros gramaticais e de português, evidenciando o conteúdo dos textos. A postura é semelhante àquela que Rosaldo toma ao ler as cartas no ar. Ele chega a deixá-las mais bonitas quando faz a leitura. A rádio é um ambiente curioso, um espaço que mantém marcas de outros tempos e que ainda guarda a parte de seu acervo em vinil.

No domingo seguinte, acompanhei o baile em seu dia mais cheio. É, definitivamente, um universo à parte. Mas, de algum modo, se aproxima do ambiente de um baile da terceira idade. Foi bastante curioso ver a molecada mais jovem presente. Em certo momento, me lembrei de uma cena de “Chega de Saudade”, filme de Laís Bodanzky. Enquanto eu entrevistava um casal, uma senhora me deu uma baita beliscada na bunda. Como os jovens entrevistados comentam na matéria, as mulheres dão em cima mesmo.

s, evidenciando o contepor corrigir os erros gramaticais e de portuguitiu reproduzir alguns trechos.

Repercussão: a turma do baile ligou no jornal perguntando quando sairia a reportagem. Rosaldo comprou 15 exemplares da Folha de Londrina para levar ao clube. Conta que ficou muito feliz e comentou sobre a matéria em seu programa de rádio.

Erros, lapsos e confusões: escrevi para chuchu, o que obrigou a editora a cortar um box que explicava sobre o projeto de Carlos Kenji a respeito do clube. Projeto que, efetivamente, me motivou a fazer esta reportagem. O resultado, uma seqüência de fotografias do baile e reprodução de cartas enviadas ao programa acompanhadas de trilha sonora, é excelente, mas, infelizmente, não está disponível na Internet. O Carlinhos comentou que achou um tanto complicado disponibiliza-lo, mas, espero, que em alguma hora ele mude de idéia. É um projeto muito bacana. Abaixo, antes tarde do que nunca, reproduzo o trecho não-publicado sobre a proposta e uma das imagens feitas por ele, que abre esta postagem.

Fotos do clube

Carlos Kenji

Carlos Kenji fez um trabalho fotográfico sobre o Clube dos Solitários, que o intrigava

O redator e estudante de Filosofia Carlos Kenji, 33, mora há poucas quadras do Clube dos Solitários. Sempre que passava na frente e via a fila na entrada, ficava intrigado pelo local. ''Os dois nomes são termos quase que opostos. Enquanto 'clube' indica reunião de pessoas, 'solitários' é algo de uma pessoa só. É um nome que chama muito à atenção.'' Quando teve de escolher o tema para o Curso de Fotografia Documental, do Núcleo de Estudos da Fotografia (NEF), não teve dúvidas. Nos domingos de setembro a novembro de 2007, acompanhado de sua câmera, o clube virou seu ponto de encontro.

''Encontrei de tudo: casais que deram certo e que sempre voltavam lá, pessoas que vão para dançar e muita gente que está sempre sozinha.'' Kenji conta que tinha receio de como seria recebido, mas foi surpreendido pelo carinho e gentileza das pessoas. Aos poucos deixou de ser um estranho com uma câmera e passou a se relacionar com o local. As cartas do programa de rádio acabaram direcionando o seu trabalho, que se tornou uma projeção com fotografias e trilha sonora. ''O recorte é que, no fundo, as pessoas estão procurando. O que não é diferente dos outros bares na cidade, onde os freqüentadores também estão em busca de alguém.''

De seu trabalho, ficou um mural de fotos no clube. E Kenji virou freqüentador? ''Voltei uma vez para dar um oi para o pessoal. Não vou mais lá porque sou boêmio. O meu horário para sair é só depois das 23 horas.'' (R.U.)

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Marketing do adeus

Empresas funerárias e suas diferentes abordagens na hora de vender produtos relacionados ao descanso eterno

Rafael Urban
Equipe da Folha*

Letícia Moreira

Carlos Sysocki buscou diversificar seus produtos. São caixões que chegam a 2,18m ou que agradam fanáticos por futebol

Nas viagens que Andrei Matzenbacher tem feito para os congressos de cemitérios pelo País, uma coisa tem lhe chamado à atenção: a maneira agressiva como empresas do ramo funerário anunciam seus produtos. ‘‘No Rio de Janeiro conheci um caso incrível. Um cemitério colocava um outdoor ao lado de outro de uma operadora de celular que anunciava ‘Vivo, a partir de R$ 200’. Ele usava o mesmo boneco da empresa de telefonia, acompanhado dos dizeres ‘Morto, a partir de R$ 3 mil’. Esse tipo de humor não funciona com o público do Sul, em especial o curitibano.’’

Matzenbacher é o diretor do grupo Jardim da Saudade, com sede em Curitiba e unidades em Pinhais e Blumenau, além do Crematorium Metropolitan também na capital paranaense. A empresa começou com seu avô Jayme, em 1969, com o slogan ‘‘A solução moderna para um velho problema’’. A proposta era representar o conceito de cemitérios-parque, importado dos Estados Unidos. ‘‘Todo mundo tinha aquela idéia dos cemitérios públicos, naquele ambiente feio e triste. O ambiente mais alegre, com um campo florido e árvores, ajuda a confortar a família. Tem gente que até vem correr aqui de manhã’’, comenta, citando o caso dos corredores que recentemente viraram tema de reportagem na TV.

Hoje, o crematório do grupo trabalha com o slogan ‘‘Tranqüilidade para quem fica’’, em uma propaganda que está sendo anunciada nas rádios. ‘‘No momento difícil, os gastos já são muitos e é complicado para sair em busca de um lote. Por isso, buscamos que as pessoas façam previdência.’’ No caso da cremação, o custo de R$ 3.150 pode ser parcelado em até 24 vezes.

O pontagrossense Carlos Sysocki, que fez ‘‘33 anos há muito tempo atrás’’, fica esperando o cliente bater em sua porta. ‘‘O dentista não sai por aí batendo de porta em porta. Quando você tem dor de dente vai até o consultório. O mesmo acontece com o meu cliente aqui’’, diz Sysocki, dono da Funerária Paranaense desde 1975. Ele não tem vendedores e diz ser contra o uso de propaganda em seu ramo.

Sysocki conta que é do tempo em que se tirava a medida do morto. Hoje, além do caixão padrão com 1,90m de comprimento, vende muitos outros, na tentativa de ampliar o seu público. ‘‘É caixão para judeu, católico, evangélico, maçônico’’, explica enquanto aponta para um deles com uma pomba branca e uma mensagem da Bíblia.

No final da década de 1980, um pedido inusitado o levou a produzir uma nova série. A família de um torcedor do Paraná Clube queria o caixão do pai com o azul, vermelho e branco do time. Desde então, já fez alguns com as cores dos times da capital e de outros tantos. Cada um custa R$ 1.710. ‘‘Mas é exceção. A maioria sai com a bíblia ou com a imagem de Cristo na tampa.’’

Sysocki é fã da dupla sertaneja Milionário e Zé Rico, e repete o estilo deles pintando a unha do mindinho direito de vermelho. Além da funerária, é dono do Cemitério Ecológico Jardim da Colina. Nos carros do empreendimento, a frase destacada é ‘‘Respeito ao ser humano e à natureza.’’ ‘‘Ecologicamente, é o mais correto possível. As pessoas se preocupam muito com isso e ligam para saber o porquê do ecológico’’, diz.

Sysocki também é fã do Paraná Clube. Para o seu funeral, não tem dúvidas: vai de caixão tricolor. ‘‘As previsões são boas. Não bebo, não fumo. Então vai demorar. O meu time já está enterrado, mas meu desejo é um só: vou deitado com meu Paraná.’’

Box
Cemitério tem telemarketing com 60 pessoas

À primeira vista, pode parecer um aviso aos apressadinhos no trânsito. ''Não tenha pressa, mas quando for vá de primeira.'' O anúncio em cada um dos 25 carros da frota do Cemitério Vertical tem outro objetivo. ''Usamos esse slogan para quebrar a idéia de que cemitério é triste. Com a comédia, rompemos a barreira'', explica Carlos Alberto Camargo, o diretor comercial da empresa. O slogan foi criado por seu sócio Nelson Fernandes e é utilizado desde a época da fundação, em 1989. ''Não somos publicitários. É algo do instinto mesmo'', comenta o diretor.

Camargo gerencia uma equipe de 60 pessoas no telemarketing. Quando entram, os operadores passam por um curso para saber o que e como falar. O público alvo é a partir dos 40 anos, mas as chamadas não são aleatórias. Como em outros tele-atendimentos, a equipe de Camargo liga para pessoas indicadas por amigos ou familiares que já são clientes. ''E como ligamos em nome de alguém, não é o cemitério que bate na porta.''

Um terceiro modo de chegar até o cliente é pelo PAP, o porta em porta. Porta aberta, os vendedores logo soltam a primeira fala. ''Responda se souber e se souber ganhe um brinde.'' Um papel com uma questão de múltipla escolha é entregue ao dono da casa em que opções para colocar o 'x' são duas. ''No Cemitério Vertical, os corpos são sepultados em pé ou deitados?'' Na ficha, também há espaço para colocar dados pessoais e um número de telefone. Na seqüência, um atendente entra em contato para combinar a entrega do brinde e oferece os serviços da empresa. A pergunta também circula a cidade em um pequeno caminhão, que ajuda a propagandear o conceito.

O Cemitério Vertical oferece um plano de assistência funerária familiar, que custa a partir de R$ 1.650, divididos em 36 vezes. Depois, se paga uma mensalidade de manutenção. ''Mas pode ser muito mais caro. Fazemos um cálculo atuarial, em que levamos em conta a idade dos envolvidos e de quanto vai custar o seu funeral.'' (R.U.)

Box
Entre a ironia e o chavão

Ernani Buchmann, há 35 anos no mercado publicitário, nunca trabalhou em uma campanha de lançamento de cemitério ou de alguma empresa que ofereça serviços de assistência funeral. ''Só não aceitaria permuta. Iria querer receber à vista'', brinca. O publicitário diz que em Curitiba pouca gente já desenvolveu esse tipo de comunicação, por ser um mercado restrito e que anuncia muito pouco. ''E, em geral, o que se faz é de mau gosto.''

Alessandra Nogueira Saltori, diretora de criação da Ideale Comunicação e Design, teve a primeira experiência há pouco tempo, quando foi contatada pelo Crematorium Metropolitan. ''É um produto que é difícil não cair na ironia ou no chavão. Resolvemos puxar para o lado vendedor sem que a propaganda se tornasse agressiva.''

O spot, que está circulando em uma rádio da capital, finaliza com o slogan ''Tranqüilidade para quem fica'', que foi bem recebido pela direção da empresa. ''Pois o meu produto não é xampu ou celular, que são positivos e que permitem o uso de promoções. O meu produto é negativo e exige uma sutileza. Eu não posso anunciar uma promoção de lote até 31 de julho pela metade do preço'', completa Andrei Matzenbacher, diretor da empresa. (R.U.)

Box
Urna ecológica

Letícia Moreira

Essa urna é para quem já escreveu um livro e teve um filho

Se você já teve um filho e escreveu um livro, pode ficar tranqüilo, deixando a árvore sob responsabilidade dos descendentes. À venda na Funerária Paranaense, a urna ecológica, feita de fibras orgânicas, é biodegradável. Ela acompanha terra e sementes de árvores que dão flores.

Após a cremação, basta colocar as cinzas (que em geral chegam de 1,5 a 2 quilos) com a terra e as sementes e plantar a urna. Há dois tamanhos: pequeno (R$ 350) e grande (R$ 450). Se preferir deixar as cinzas na estante, uma urna de madeira em formato de enciclopédia sai por R$ 850. (R.U.)



Box
Slogans


- ''A solução moderna para um velho problema'', do Jardim da Saudade, em 1969, quando introduziu o conceito de cemitérios-parque

- ''Tranqüilidade para quem fica'', do Crematorium Metropolitan, em spot que está sendo veiculado nas rádios

- ''Respeito ao ser humano e à natureza'', do Cemitério Ecológico Jardim da
Colina, divulgado nos automóveis da empresa

- ''Não tenha pressa, mas quando for vá de primeira'', do Cemitério Vertical, usado desde sua criação em 1989 (R.U.)


* Reportagem originalmente publicada no Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 03/07/2008.

Sobre o texto: matéria em que me perguntava: será que vai chegar a algum lugar?

Ponto de partida: estava a duas quadras de casa quando vi o carro com a frase: “Não tenha pressa, mas quando for vá de primeira.” Propus a pauta para a editora da sucursal, Adriana de Cunto, a Drica, que topou na hora: como as empresas de produtos relacionados ao descanso eterno utilizam ferramentas de marketing? Inicialmente, pensei em batizar a reportagem de “Marketing da morte”.

A reportagem: na seqüência, descobri que o slogan-ponto-de-partida já era utilizado há 19 anos. Quando liguei para o vendedor que dirigia aquele carro, ele me contou algumas coisas de seu trabalho, mas a fala mais interessante mesmo foi a de seu chefe, que falou da proposta agressiva de marketing da empresa – a qual envolve serviço de telemarketing. Durante o processo de reportagem descobri que outras empresas do ramo também fazem chamadas oferecendo terrenos em cemitérios e planos funerários. Por alguma razão, o diretor comercial não me permitiu que chegasse até o seu sócio, Nelson Fernandes, o criador dos slogans.

Foi outro veículo com plotagem que me levou ao sr. Sysocki, o inventor dos caixões de times de futebol. Descobri que a empresa que anunciava um cemitério ecológico era dele, o mesmo dono da Funerária Paranaense. Quando liguei para lá, conversei com uma menina que se apresentou como telefonista. Depois, quando perguntei seu sobrenome, ela disse “Sysocki”, e, hesitante, contou ser a filha do senhor Carlos. Na seqüência, narrou diversas histórias, entre elas a do caixão de times de futebol, idéia pela qual seu pai é famoso e já foi tema de reportagem da revista Time, ainda nos anos 1990, fato pelo qual se orgulha. Fui entrevista-lo em uma tarde na funerária. Ele é uma figura curiosa. Como com muitos do ramo, uma desconfiança inicial fez parte da conversa. Como se realizasse uma pergunta interna: mas que diabos quer esse repórter? Para todos os entrevistados desta reportagem, tive de explicar quais as intenções da matéria.

Repercussão: a temática interessou aos amigos da publicidade. Alguns elogiaram o ineditismo do tema e André Amorim, colega de redação, contou que se divertiu muito lendo a reportagem.

Erros, lapsos e confusões: nesta, uma confusão trágica. Na diagramação, a foto em que aparecia Nelson Fernandes, o criador de slogans como “No Cemitério Vertical, os corpos são sepultados em pé ou deitados?” e daquele que foi o ponto de partida desta reportagem, com a frota de veículos de propaganda de sua empresa foi trocada por outra imagem, descontextualizada. A foto, muito interessante, dos carros e de um pequeno caminhão foi confundida por uma em que aparece um funcionário da Funerária Paranaense, empresa que não tem nada a ver com o Cemitério Vertical. Reproduzo abaixo a foto da confusão que foi acompanhada da legenda "Nelson Fernandes criou o slogan que circula em 25 carros pela cidade em 1989, quando fundou sua empresa", que, como conto acima, não tem a ver com a foto:

Letícia Moreira

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Leon e o Leão de Ouro

Cinema

Rafael Urban
Equipe da Folha*


Divulgação/Videofilmes

Fernanda Montenegro e Gianfrancesco Guarnieri em atuações memoráveis

Depois de centenas de exibições, uma cópia em película já está para lá de riscada. E, com o tempo, o processo de deterioração é quase inevitável. Em esforço recente e com o patrocínio da Petrobras, foi lançada uma caixa com parte da obra do cineasta carioca Leon Hirszman restaurada digitalmente.

Ou seja, cada fotograma das cópias originais foi escaneado para ser corrigido no computador, assim como o som.

O mais famoso do conjunto disponível nas locadoras é Eles Não Usam Black-Tie, de 1981. E é por causa dele o Leão de Ouro do título, prêmio que o filme ganhou no Festival de Veneza daquele ano. A história começa em 1979, quinze anos depois do início da Ditadura Militar. O período, ainda que já representasse o começo da abertura política, era de disputas complexas.

No meio disso tudo, o operário Tião (o galã Carlos Alberto Riccelli) descobre que sua namorada Maria (Bete Mendes) está grávida. Otávio, seu pai - interpretado por Gianfrancesco Guarnieri, que escreveu o texto originalmente para o teatro -, trabalha na mesma fábrica e está envolvido no movimento grevista. O elenco, magistral e bem dirigido, ainda conta com uma já madura Fernanda Montenegro no papel de Romana, mãe de Tião.

O longa-metragem possui uma dramaturgia, um jogo de cena próximo do teatro e tem um uso de câmera muito inteligente. Com freqüência, o diretor foge do plano e contraplano corriqueiro nas novelas. Aqui a câmera fica fixa na maior parte do tempo e quando se move o faz para revelar o espaço.

O filme é político e carregado de idéias que marcaram a época. Nem por isso seus personagens perdem a complexidade e fica difícil saber se estamos torcendo para o mocinho ou bandido.

Na caixa distribuída pela Videofilmes, há dois Dvds e um livreto. Em uma das matérias reproduzidas, o cineasta Hirszman afirma que naquela época o cinema brasileiro era ''meio artesanal''. A série de bons filmes e novos nomes surgidos nos últimos anos reflete um universo diferente. Ainda que longas-metragens como ''Eles Não Usam Black-Tie'' nos mostrem que o nosso cinema sempre produziu bons trabalhos.

SERVIÇO
- Caixa Leon Hirszman 01-02
Quanto - R$ 69
Mais informações - www.vfilmes.com.br


* Coluna originalmente publicada no Caderno Folha 2 do Jornal Folha de Londrina, do dia 02/07/2008.

P.S. – a partir de hoje, passo a escrever, sempre às quartas-feiras, sobre o cinema brasileiro, seja aquele que está nas locadoras ou nas salas de cinema. A coluna, que recebe o nome de "Nas telas", é publicada na sessão "Mundo Jovem" do caderno.