terça-feira, 10 de junho de 2008

Vestindo a fantasia

Altão de baixinho da Kaiser, chef de cozinha engolido por tubarão e MSN Messenger foram alguns personagens que passaram pelo Castelo do Batel no sábado, na 11ª edição da Festa Fantasia do Tite

Rafael Urban
Equipe da Folha*

Fotos: Theo Marques

‘‘Eu sou o Coringa’’, diz Tite Clausi, o dono da festa



A Batgirl moderna Janete Krauze com a filha Camila e a sobrinha Stephani, as primeiras a chegar



No começo, a idéia de se fantasiar como sósia do padre Adelir Ribas de Carli pareceu original: as dezenas de padres-baloeiros presentes acabaram a tornando uma das mais repetidas



O grupo de 25 amigas conseguiu apoio de um bar de Curitiba que bancou as fantasias de cheerleader

Foi pela primeira vez na vida que Janete Krauze, 45 anos, deu de cara com os portões do Castelo do Batel fechados. "Sempre venho em festas aqui. A organização tinha me dito que às 22h30 já estaria aberto e foi o horário que chegamos.'' Às 23 horas, ela, vestida de Batgirl moderna, junto com a sobrinha e a filha, ambas de 15 anos e vestidas de fadas, comemoraram em uníssono. ''Eba, somos as primeiras!'' No decorrer da noite do último sábado no espaço para eventos da Avenida Batel, mais de 2.500 pessoas entrariam pelos mesmos portões.

É a 11ª Festa Fantasia do Tite. A primeira, em 1998, aconteceu na extinta boate Legends, pois a mãe de Tite Clausi não topava mais que o filho, aniversariante do dia 31 de maio, fizesse confraternizações enormes em sua casa.

Tite é engenheiro agrônomo, mas nunca exerceu a profissão. De batismo, Roberto Clausi Jr. O apelido veio do avô italiano. ''Ele me chamava de Titi. Mas, como vivemos na terra do leite quente, virou Tite.''

Quando mais jovem, foi vice-campeão brasileiro de natação e, hoje, aos 44, segue disputando campeonatos mundiais master, os quais já ganhou quatro vezes. Nos últimos dois anos, sua festa à fantasia de aniversário ganhou proporções maiores ainda. ''Passou a ser algo comercial. No ano passado, no Expotrade, foram mais de 3.500 pessoas.'' O ar de exclusividade, de só se conseguir o convite por ser amigo ou amigo do amigo, se perdeu.

''No Expotrade foi tranqüilo. Tinha gente vendendo na entrada'', diz o jedi Obi-Wan Kenobi, de sabre de luz emprestado do irmão de um amigo e que, no dia-a-dia, responde por Jaime Jorge e é dono de restaurante. Pelo aluguel da fantasia, gastou R$ 85. ''Mas vale à pena. É a festa mais conceituada de Curitiba. Só falta eu conseguir entrar.'' Tal como muitos que aguardavam do lado de fora, Jorge estava sem ingresso, que não estava à venda pelas vias oficiais no dia do evento.

Os últimos foram vendidos na tarde de sábado. O preço das entradas, R$ 60 (masculino) e R$ 40 (feminino), ganharam novas proporções. Às 23h25, pouco depois da abertura, os cambistas pagavam R$ 80 para quem tivesse ingressos sobrando. ''Eu conheço o dono da festa, mas fiquei chateado. Tal como ele, eu moro em Balneário Camboriú e ele me convidou para vir. Poderia cobrar a entrada mais caro, mas assim não dá'', reclama o jornalista Toledo Júnior, vestido de monge, pouco depois de comprar dois ingressos de um cambista a R$ 200 cada. Para estacionar no local, o custo do pernoite foi de R$ 25.

A decoração da mansão que já pertenceu ao ex-governador Moysés Lupion e que hoje abriga casamentos e algumas das festas mais chiques da cidade ganhou ares medievais e de cartas de baralho. Pouco depois de passar pela fila de revista e pelos cães da Secretaria Antidrogas Municipal (SAM), parceira do evento, os visitantes se deparavam com dois guardiões com lanças e quatro performers vestidos de cartas de baralho. O grupo, ao invés das letras tradicionais J, Q, K e A, era formado pelas letras T, I, T, E.

A temática, que em anos anteriores já visitou o universo do Surfista Prateado e o do fundo dos mares, é guardada a sete chaves tal como a fantasia do dono da festa, que, de antemão, já tinha avisado que seria notado quando chegasse. Animado, ele brinca com este repórter. ''Aham! Achei o Wally!''. Eu respondo com uma pergunta sobre sua fantasia. ''Ah, mas isso é claro. Tem as cartas de rei, rainha e valete na parede. O coringa sou eu.''

O casal Luiz e Roberta Ribeiro, advogado e educadora, gastou R$ 300 na confecção da própria fantasia. É o quarto ano que a dupla vai reunida à festa. A de maior sucesso dos dois foi a de Shrek e Fiona, em 2006. ''O próprio Tite capricha tanto que a gente fica até com vergonha de não se vestir bem'', conta o esposo. Neste ano, escolheram Mickey e Minnie Mouse vestidos de crocs amarelo e vermelho. Os filhos Caco, 14, e Juju, 5, ficaram em casa. ''Aqui vem galera de toda a idade. O mais velho já está querendo vir. Ano que vem, trago ele.''

Outros gastaram um tanto mais com as fantasias. É o caso de Raul Gil Jr., que veio de São Paulo. Ele chega cambaleando e, nas primeiras tentativas de abordagem, repete a mesma frase. ''Eu nunca estou bêbado.'' A interpretação é convincente e lembra a de Johnny Depp no filme ''Piratas do Caribe''. ''Levei 15 dias para fazer a fantasia. Não sei quanto, mas com certeza gastei mais de R$ 2 mil'', conta o Jack Sparrow na festa e diretor do programa de TV do pai na vida real. ''Esta festa está fazendo hoje o que o Carnaval deixou de ser há muito tempo: um lugar para fantasiar, entrar no personagem. Eu me diverti muito me preparando, pegando todos os trejeitos.''

Estoques esgotados

Como o aluguel é a opção de muitos convidados, diversas casas da cidade estavam com os estoques esgotados ou limitados. ''Na terça-feira, fui em três lugares e só tinha porcaria, fantasia rasgada ou feia. Eles falaram que estava bombando por causa da festa.'' A opção de Liriane Oliveira, 30, consultora de vendas, foi sugerida por seu cabeleireiro: comprar uma fantasia. Por R$ 89, ela foi vestida de bombeira.

Na pista, a música eletrônica começa a rolar com calma. ''Foi uma boa abertura de set'', comenta a DJ Saddie Ramos, vestida de oficial do exército. ''E é pela abertura que dá para saber como vai ser o set.'' Às 6h20, na saída, ela confirmaria sua impressão. ''Foi bom.''

A pista demora para encher. À uma hora, as filas de entrada ficam longas. É uma seqüência interminável de coelhinha da Playboy, imperador romano, Fred Flintstone e padres com balões, muitos padres com balões de gás hélio. A referência direta ao caso do religioso que desapareceu em meio à tempestade foi o costume mais repetido na festa. ''Todos os outros padres vão sair voando. Só eu vou sobreviver'', brinca o engenheiro de produção Eduardo Donnabella. ''Eu vou ficar no chão por causa das bóias da Minnie'', fala enquanto mostra o adereço infantil preso aos braços. Tal como os outros sósias, Donnabella teve de acessar a pista por uma entrada lateral, pois os balões batem no lustre do hall.

Os sem-ingresso

À 1h56, tumulto na entrada. Empurra-empurra e bronca da turma dos sem-ingresso. Das fantasias curiosas, um hall muito diverso. Do humor negro absoluto de Casal Nardoni, a um chef engolido por um tubarão, o Comandante Castro na juventude e um sujeito vestido de MSN Messenger.

Com ''ônibus linha castelinho-babilônia'' a dupla Gabriel Garraio, engenheiro mecânico, e Diego Roders, empresário, foi uma das que mais chamou atenção. ''Fizemos com o intuito de encher de meninas. Tiramos muitas fotos, mas tem muita gente fresca e que dá vontade de atropelar'', comenta Garraio, o ''motorista'' da estrutura feita com canos e banners. Enquanto ele dá a entrevista, escutamos ''próxima parada Terminal Centenário''. Como a dupla é amiga de um dono de empresa de ônibus, conseguiram diversas gravações de ônibus da cidade, que reproduziam à exaustão em um Iphone conectado a caixas de som.

Às 6 horas, a festa vai chegando ao seu fim. Tite, no palco e com muita energia, agita os presentes. A música eletrônica está alta e a toda. Os fantasiados respondem aos estímulos do aniversariante. Algumas senhoras responsáveis pela limpeza reclamam do excesso de sujeira. Ganharam R$ 40 pelo trabalho de uma noite. Maria José, 44, da equipe de limpeza, diz que a experiência foi gostosa, pois adora balada. Aleçiana Torres completa: ''Foi cansativo, mas mexer com adolescente é a melhor coisa do mundo.'' Às 7h15, o som é desligado. Fim de festa.


BOX
‘Energia muito boa, you know’


Muitos ficaram sem convite e não entraram na festa no Castelo do Batel



Na pista, às 6 horas da manhã, os DJ’s ainda levantavam o público

Leandro Karam participa da Festa Fantasia do Tite desde a primeira edição, em 1998. Há seis anos, cobre o evento para o seu programa ''Na Moral'', exibido na NET. Há três, também faz a cobertura oficial.

Karam elogia o amigo Tite. ''Ele consegue fazer os curitibanos se soltarem. Mais: ele consegue fazer a alta sociedade se soltar, o que é mais difícil.'' O apresentador define o dono da festa como um palhaço, divertido. Diz que se existe alguém que não gosta dele é porque não o conhece. ''Cubro todas as festas da cidade e te digo: esta é única.''

O apresentador, vestido com uma fantasia que define como medieval-glacial, acredita que o evento está começando a se tornar internacional. ''Na minha opinião, em dez anos vai ser uma festa turística. É o Carnaval fora de época que Curitiba não tem.''

O nova-iorquino Patrick Schultz, analista de ações em Wall Street, era um dos freqüentadores do camarote 09. Vestido de Elvis, comenta que veio ao Brasil por duas razões: festa e negócios. Como tem muitos amigos brasileiros, ficou sabendo da festa e já arrisca no português. ''Energia muito boa, you know.'' Sobre o País, já sabe o que vai contar aos amigos estadunidenses. ''Quando perguntarem, vou dizer que é muito perigoso, violento'', brinca. Na verdade, conta que quer manter em segredo o país que descobriu. ''A economia é incrível. Aqui é onde tudo acontece. É onde está a energia. Os EUA são coisa do século passado.''

Sobre a festa, diz que uma igual não seria possível, hoje, em Nova York. ''Há dez anos você poderia encontrar uma festa assim por lá. Mas o mundo muda rápido e os tempos são outros.'' O amigo Eric Pharis divide ideologia próxima. ''A festa é feia e as pessoas também. Ao menos é isso que vou contar. Achei a festa perfeita''.

A fantasia do relações públicas Lincoln Rincoski foi uma das que mais chamou à atenção. Vestido como o menino do filme ''Brinquedo Assassino'', ele carregava nos ombros o boneco do Chucky, os mesmos adereços que o próprio desfilou no Carnaval deste ano pela Viradouro. ''Fez tanto sucesso que, no meio da noite, um cara de Caxias pediu para vestir o boneco e disse que não ia largar mais. Fui obrigado a vendê-lo'', conta o relações públicas completando que guarda mais dois dos bonecos em casa. O comprador, Vinicius Gasparin, pagou à vista: R$ 250. Gasparin achou a festa ''muito bala''. Ele pagou outros R$ 2 mil pelo camarote 09, um espaço para 15 a 20 pessoas. (R.U.)

* Reportagem originalmente publicada no Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 10/06/2008.

Sobre o texto: é o primeiro que publiquei na Folha de Londrina. Vou usar o espaço do blog não apenas para reproduzir os materiais, mas para, também, contar um pouco sobre a sua produção.

Ponto de Partida: um dia estava com Paula, minha namorada na época em que escrevi o texto, e passamos por um sujeito com roupa marrom e alguns balões de gás hélio presos às suas costas. Demorei um tanto para me dar conta de que ele estava vestido do famoso e desaparecido padre-baloeiro. Paula então sugeriu que fosse a época da Festa Fantasia do Tite, que ela já tinha ido em anos anteriores. Poucos dias depois, ela me mandou um e-mail com um flyer sobre a festa, que aconteceria em duas semanas.

A reportagem: cheguei cedo, os portões ainda estavam fechados. Já tinha muita gente sem ingresso e alguns cambistas trabalhando. Acabei conversando com muitos mais fantasiados do que aqueles que aparecem na matéria. Cito, por exemplo, uma dupla que foi vestida em um colchão e que deitava com a fantasia para tirar fotos com as mulheres. Fui vestido de Wally, e não foram poucos os comentário de “Achei o Wally!”.

Repercussão: o retorno foi bacana. O jovem cineasta Murilo Wesolowicz, da Fita Crepe Filmes, conta que se divertiu bastante com a matéria. O pessoal da redação do jornal ficou abismado com o humor negro do casal que se vestiu dos Nardoni. A Estelita Carazzai, amiga e jornalista da Gazeta do Povo, fez alguns elogios, mas criticou o fato de a matéria ter ficado fechada na festa e sugeriu que eu tivesse conversado com as lojas de fantasia, para que comentassem a questão de estoques esgotados. Também questionou o fato de não ter ficado claro que eu estava vestido de Wally, o que sugiro na matéria.

Erros, lapsos e confusões: aproveito para corrigir erros factuais e gramaticais. Desta vez, teve um ‘s’ sobrando em “mais de R$ 2 mils”, e que já foi removido na versão reproduzida neste blog.

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