quarta-feira, 6 de junho de 2007

O Repórter do Brasil


Imagens
O jornalista bateu um papo na quinta-feira da semana passada com os curitibanos.
O cineasta paranaense Eloi Pires Ferreira: fã assumido de José Hamilton Ribeiro.
José Hamilton Ribeiro, o mais premiado jornalista do País: 72 anos de idade e 52 de profissão*

“Eu sonhava em ser jornalista de guerra”. Logo que saiu da faculdade, o jornalista e cineasta Eloi Pires Ferreira desistiu do sonho: “Era coisa de moleque. Perigoso demais”. Passou a trabalhar com jornalismo agrícola, num programa aos moldes do Globo Rural. Admirava o repórter José Hamilton Ribeiro, principal nome do matutino dominical da Globo. Anos depois, descobriu que Ribeiro tinha sido repórter de guerra: mais um motivo para a admiração. Na semana passada [24/05/07], Eloi foi acompanhar o bate-papo com o ídolo nas Livrarias Curitiba do Shopping Estação.

Depois de quarenta minutos de espera, Ribeiro chegou. Sorridente, seu rosto não esconde as marcas da passagem do tempo: 72 anos de idade, 52 de jornalismo. Este deixou as mais profundas. Na sua grande reportagem, ou na sua maior, pois as grandes foram tantas, e sete delas receberam a maior honraria do jornalismo nacional, o Prêmio Esso, esteve no Vietnã, em março de 1968.

Durante a Guerra, e ao lado do fotógrafo Henry, correu em direção a explosão de uma mina para acompanhar os feridos. Poucos minutos depois, fragmentos de outra explosão acertariam a perna direita de Ribeiro. Na revista Realidade, sob o título “Nosso repórter viu a guerra de perto”, escreveu: “Ouço uma explosão fantástica. É um tuimmm interminável que atravessa os ouvidos de um para o outro lado, dá-me a sensação de grandiosidade. Sinto-me no ar, voando, mas, ainda assim, com uma certa tranqüilidade para pensar:
- A guerra é de fato emocionante. Agora entendo como há gente que possa gostar da guerra.” Quatro cirurgias depois, Ribeiro conseguiu retornar ao Brasil.

Desde então, uma perna mecânica o acompanha, o que o levou a responder a pergunta mais estúpida já feita a ele: “Se era difícil ser repórter com uma perna só”. A resposta, da qual se orgulha, sempre faz questão de contar: “É mais difícil do que com duas, mas é mais fácil que com quatro”. Contou a experiência mais uma vez em Curitiba. A jornalista Juliana Vines lembra já ter ouvido a história, também reproduzida em dois momentos no livro “O repórter do Século”, seleção de oito reportagens de Ribeiro. “Ele contou as mesmas experiências em uma palestra que vi no interior do estado. As mesmas e divertidas histórias”. São grandes histórias para jornalistas, alunos e público em geral. Mas seus ensinamentos também são técnicos. A maneira como transforma dados em texto fluído é uma aula àqueles que tem que escrever sobre números. “Quando nasce, o brasileiro só pode esperar viver pouco mais de 50 anos. Se for nordestino, a coisa muda, para pior: quase não chega aos 40. A idade média do brasileiro é de 54 anos – a mesma da Suécia, no século XIX. Só 4,3% da população alcançam os 60 anos”, escreveu em 1968 na reportagem “Do que morre o Brasil”.

José Hamilton Ribeiro chegou há 27 anos no Globo Rural. Seria uma experiência curta, que, a princípio relutou em aceitar. Seria apenas por alguns meses, enquanto o Globo Repórter, programa onde trabalhava, não voltasse ao ar. Apaixonou-se pelo campo e está no Globo Rural desde então. A reportagem do Vietnã é lembrada pelos colegas de profissão como o seu maior trabalho. Aos 72 anos, Ribeiro tem uma opinião diferente: “A melhor reportagem? Com certeza será a próxima, de tantas que ainda farei. Sempre espero que a próxima saia melhor”, responde o senhor gentil que é a encarnação do jornalismo por excelência.

FOTOS: Rafael Urban

* Matéria originalmente publicada no site Overmundo.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Um dia, eu entendi a música


Foi numa noite de 1986 que o maestro de Chico Buarque, Luiz Claudio Ramos, entendeu a música*

“Ô chefia”, diz o músico Luiz Claudio Ramos. “Ô maestro”, responde Chico Buarque. Eles são parceiros desde 1975, quando trabalharam no espetáculo Chico Buarque e Maria Bethânia. Luiz Claudio é auto-didata, aprendeu quebrando a cara: “É se jogar no meio dos leões e lutar com eles”. Escreve arranjos desde muito cedo “com o talento, no peito e na raça; na sensibilidade, no ouvido: ia lá no piano, procurava, mas sem consciência nenhuma”. Com a mudança de sua família para Copacabana, o piano foi para a sala de estar, e ele, para o quarto, onde estudou violão. Aos 14, diz que já levava a música a sério. Logo depois de completar 16, Luiz Claudio Ramos já tocava com Wilson Simonal.

Mas foi numa noite de 1986 que o maestro Luiz Claudio Ramos entendeu a música. “Eu tive um estalo, uma forma de ver. É engraçado dizer isso, mas, um dia, eu entendi como funcionava a música”. A partir do estalo, elaborou uma metodologia para escrever, compor, harmonizar e improvisar. “É muito simples; eu descobri que, no final, eram quatro as escalas, os universos musicais, que se desdobravam em outras”, afirma. Todas as músicas que fez, desde a descoberta, passaram a usar esse sistema. E foi aí que se considerou músico; até então, tinha medo de estar no meio dos cobrões, achando que não sabia direito o que estava fazendo.

Com Chico Buarque a palavra certa é afinidade

Já dividiu o palco com Johnny Alf, Elis Regina e, por um longo período, com o Quarteto em Cy. Da parceria com Chico, conta que foi uma afinidade desde o primeiro momento. Com o trabalho por Carioca, o último CD do músico, entrou, na opinião da crítica Maria Luíza Kfouri, para o hall dos grandes arranjadores brasileiros. Comentário esse que ele recebe modestamente, dizendo que não considera estar no mesmo patamar de seus heróis Pixinguinha, Radamés [Gnattali], Chiquinho de Moraes. Junto da banda com que tem uma relação “fraterna”, com nomes de peso como Wilson das Neves e Chico Batera, está viajando pelo país.

O show Carioca, mesmo nome do CD, lotou as três sessões que realizou no Teatro Guaíra no início de abril. Somado ao sucesso, o trabalho com Chico tem três qualidades diferenciais: “Fazemos uma música que gostamos, temos uma relação boa e ganhamos bem. É muito difícil você conjugar esses três predicados num mesmo trabalho”. Ele reconhece em Chico uma pessoa generosa, numa contínua busca de não parecer ser a estrela que ele é.

“Ele grava com todo mundo; artistas consagrados, artistas iniciantes. Se você pedir para ele participar num disco seu, ele é capaz de participar”. Mesmo? “Se você jogar umas três peladas com ele [futebol, passatempo favorito do músico], acho que já é 90% de chances de ele participar do seu disco”, completa o maestro que abandonou o segundo ano do curso de Medicina para aprender a teoria da música na prática.

FOTO: Rafael Urban

1ª - O maestro Luiz Claudio Ramos, no início de abril, quando veio a Curitiba tocar no show Carioca.

* Matéria originalmente publicada no Jornal do Estado do dia 09/04/2007.

sábado, 7 de abril de 2007

Nome que pesa


Hermila Guedes, a Suely que levou o cinema brasileiro aos céus, e as dificuldades do sucesso*

“Meu Deus, o que é isso? Por que isso?”, Hermila Guedes pergunta a si, tentando entender o próprio sucesso. Se já pensou em desistir da carreira? A atriz não hesita: “Várias vezes”, responde. Como a toda pergunta que faço, a jovem metralha a resposta, pára, respira e olha fundo nos meus olhos, como se esperando uma reação, uma próxima pergunta ou o final da entrevista. Hermila tem um aperto de mão forte, não guarda uma grande distância do ouvinte. Mas está cansada. Esperava que sua vinda a Curitiba - esteve em dois espetáculos no FTC: As três viúvas de Arthur, na Mostra Oficial, e Angu de Sangue, sensação no Fringe - fosse divertida. Não foi. Sessões intermináveis de fotografia e entrevista após entrevista. Não veio desavisada: quando Karim Aïnouz a convidou para o papel de O Céu de Suely, a alertou: depois do sucesso de Madame Satã, a protagonista de seu próximo filme seria muito assediada. “O filme é seu, está em suas mãos”, lhe disse o diretor. Ela considera que o trabalho veio como um presente, mas que existe uma Hermila antes e outra depois. “Tem o lado bom e o ruim. Sempre vão estar me cobrando uma Hermila-Suely”. Apesar disso, para ela, Suely é um papel que vale o reconhecimento.

Em dezembro, representou Elis Regina num especial da Rede Globo, “a televisão te ajuda a te espalhar pelo mundo”, diz. Também atuou em Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes. Já contracenou com um copo de leite - no curta homônimo. “O difícil foi beber litros de leite misturados com [iogurte] Danone. Eu odeio leite”. Chegou aos ensaios de Angu de Sangue bastante tímida, dizendo-se sem experiência. Mas, segundo o diretor da peça, Marcondes Lima, Hermila é uma atriz nata, que era muito insegura, tinha medo de cantar e pensava em desistir. Numa das cenas mais fortes do espetáculo, vai ao microfone para cantar um conto - que fala da história do estupro de uma menina - acompanhada da manipulação de um fantoche que representa a criança. Sempre que canta a música, lhe dá vontade de chorar, especialmente quando lembra da sobrinha, recém-nascida.

“Não sou acadêmica, estudiosa, mas preciso ser. Compenso a minha falta de informação com a entrega mesmo”. Marcondes lembra que, apesar de ela não ter feito cursos, tem dentro de si as preposições do Stanislavski e de outros teóricos do teatro. Até agora, Hermila Guedes parece ter feito as melhores escolhas possíveis. No premiado Baixio das Bestas, que estréia em maio, representa uma prostituta. Não tem medo de ficar marcada com estereótipos. O seu grande desafio será conseguir viver com o estigma do seu próprio nome, “esse nome que já está pesando quando eu ouço”.

FOTOS: Rafael Urban

1ª - A atriz Hermila Guedes depois da apresentação de Angu de Sangue, uma das melhores peças apresentadas no Fringe deste ano.

2ª - Na peça, a atriz solta a voz. Num momento emocionante, conta através de uma canção a história de uma menina que foi estuprada, representada por um fantoche manipulado por uma ator da companhia.

3ª - Hermila Guedes recebe os aplausos da platéia do Festival de Teatro ainda vestindo o figurino de seu último personagem da peça Angu de Sangue.

* Matéria originalmente publicada no Jornal do Estado do dia 06/04/2007.

EXTRA! EXTRA!
Leia também a entrevista feita por Marcelo Salinas:
cineme-se: Entrevista com Hermila Guedes

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Aguardem o MeOscar!


MeMostra! completa um ano e promete premiação para o cinema local*

Tudo começou com a exibição de curtas-metragens em um bar da cidade. Alguns clientes ficavam incomodados porque os filmes atrapalhavam suas refeições - “Pô, tô comendo aqui! Desliga esse treco aí!” -; enquanto outros ficavam indiferentes. Também havia aqueles que se identificavam, mas que eram atrapalhados por barulhos de talheres, conversas e garçons. A responsável pela projeção, Viviane Follador, logo se deu conta de que ali não era o melhor espaço; tinha que ser no cinema mesmo. Viviane fazia o curso de pós-graduação em Cinema da FAP. Lá, conheceu Fabiana Moro: conversaram e perceberam que os filmes que elas estavam produzindo na faculdade não tinham espaço para exibição: “Finalizávamos um curta e, quando chegava a hora de exibir, apareciam umas cinqüenta pessoas, todas parentes e amigos”, explica Viviane. Juntas criaram o MeMostra!. “Me mostra porque eu quero que me vejam. E ‘mostra’ por exibir filmes também: a produção independente de curtas, médias e longas paranaenses”.

O projeto acaba de completar um ano: desde março de 2006, apresenta filmes locais e mais um vídeo de outro estado, na última quarta-feira de cada mês. As primeiras mostras foram no Cine Plaza. Espaço que exigia uma limpeza especial após as sessões; muitos usavam as mais de oitocentas cadeiras do cinema com outros fins: lá encontraram camisinhas, seringas e até uma calcinha. Na última exibição no local, em maio passado, o cinema estava sem energia elétrica. A solução foi buscar um gerador. A data foi marcante e teve o recorde de público do projeto: mais de cem pagantes. Para Viviane também foi emocionante pois, além de trazer um público que há muito não ia ao cinema, marcou a despedida do Cine Plaza, o último cinema de rua privado de Curitiba. Hoje, o imóvel está à venda.

Na seqüência, realizaram uma sessão no Santa Mônica Clube de Campo. Apenas em outubro do ano passado voltaram a ter um parceiro fixo: o Cineteatro HSBC, no prédio do antigo Palácio Avenida, espaço que tem atingido um público de, em média, 60 pessoas. Recentemente, o grupo responsável, que hoje conta com o apoio de mais pessoas, conseguiu promover o lançamento de dois DVD's com vídeos que foram exibidos no MeMostra!. Eles estão disponíveis nas locadoras Vídeo 1 e Cartoon Vídeo e foram subvencionados pela soma das bilheterias das onze sessões já realizadas. A Cartoon passou a ser parceira do projeto: os interessados em exibir seus vídeos podem deixar cópias em DVD em qualquer uma das franquias (os endereços estão no final da matéria). Este ano prometem outra novidade. As projeções deverão, muito em breve, ser acompanhadas de uma premiação: “Queremos fazer o MeOscar! Paranaense. Fazer uma premiação com todos os filmes já exibidos...”, comenta Viviane. E o formato? “A ser definido”, completa a jovem.


Onde deixar seus filmes para ser exibidos no MeMostra!
Cartoon Vídeo
Cabral – R. São Pedro, 347 – fone: 3253-3245
Cristo Rei - R. Luiz Brambila, 51 – fone: 3363-6035
Ecoville - R. Prof. Pedro Viriato Parigout de Souza, 565 – fone: 3339-3500

Contato:
http://www.memostra.com.br/


FOTOS: Rafael Urban

1ª - A equipe por trás do MeMostra!: Guilherme Glück, Fabiana Moro, Viviane Follador e Luiz Felipe Araujo

2ª - Viviane Follador apresenta a sessão de aniversário do MeMostra!


* Matéria originalmente publicada no Jornal do Estado do dia 05/04/2007.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Imagens que valem ouro



O premiado Adriano Goldman, fotógrafo de O ano em que meus pais saíram de férias e da série Filhos do Carnaval, fala de seu trabalho

Desde os dezoito anos de idade, Adriano Goldman trabalha na produtora O2, de Fernando Meirelles. Começou como assistente de produção; logo depois, já entusiasmado com a imagem, passou a se interessar por câmeras: virou técnico e, mais tarde, operador. 23 anos depois, ele é um dos diretores de fotografia mais renomados do país. Já trabalhou em comerciais, vídeo-clipes e, mais recentemente, em séries como Cidade dos Homens e longas-metragens. No último sábado [24/03/07], aos 41 anos de idade, recebeu dois prêmios da Associação Brasileira de Cinematografia.


Em Filhos do Carnaval, vencedor de melhor fotografia em programa de TV, Goldman traz uma imagem forte e inusitada. Para ele, os créditos têm que ser divididos com o diretor, Cao Hamburger, e com Vera Hamburger, responsável pela arte da mini-série. “No Brasil se acostumou a se trabalhar com essa trinca [diretor, diretor de fotografia e diretor de arte]. Nos EUA, se o fotógrafo do filme sai, entra outro e a produção continua; aqui, se ele sair, o filme pára. O envolvimento do fotógrafo no Brasil é muito grande; é algo muito mais pessoal”, explica Goldman.

As cores da Mocidade Independente de Padre Miguel, verde e branco, orientaram o projeto. As paredes, o figurino, os carros, enfim, tudo o que a equipe poderia alterar, ganha as cores da escola de samba - que é o pano de fundo da história. “Fomos eliminando as cores mais quentes e ficando com as cores mais frias. O Cao [o diretor] me deu uma liberdade muito grande e, ao saturar a cores, acho que cheguei ao limite. Depois de ver algumas cenas prontas, até me arrependi do exagero”, comenta o fotógrafo, também ganhador do prêmio na categoria para longas-metragens.


No começo das filmagens do premiado O ano em que meus pais saíram de férias, também dirigido por Hamburger, Goldman levou um susto: o Bom Retiro, tradicional bairro paulistano, não era “filmável”. A história, que se passa durante a ditadura militar, exigia um trabalho de época, e o bairro não era o mesmo dos anos 60; nem as suas casas, padarias e mercados. A solução foi reconstruir uma quadra inteira. “Como o filme se passa mais perto do inverno, usamos uma luz mais suave, enfocando nos marrons, beges e verde-claros”. Goldman ganhou o prêmio concorrendo com grandes nomes da cinematrografia nacional: Walter Carvalho, Lauro Escorel e José Roberto Eliezer.

Adriano sonha em trabalhar no exterior. Pensa que, desde que o fotógrafo César Charlone foi indicado ao Oscar por Cidade de Deus, o trabalho dos diretores de fotografia sul-americanos tem ganho mais destaque. Quanto à publicidade, diz que ela o força a trabalhar com mais objetividade; mas deixa de lado a dramaturgia, “o contar uma história”, a continuidade. Continua seu trabalho, agora com o nome mais cobiçado do atual cinema brasileiro, Karim Aïnouz, de O céu de Suely. Adriano Goldman fará a fotografia de uma série para televisão a cabo dirigida pelo cearense.

FOTOS:
1ª - Imagem de Filhos do Carnaval, mini-série exibida na HBO: ao saturar as cores, o fotógrafo acha que exagerou. (Divulgação)

2ª - O ator Michel Joelsas, 12 anos, é o personagem principal do premiado O ano em que meus pais saíram de férias. (Divulgação/Lúcia Loeb)

3ª - O elenco infantil: o grande trunfo de O ano em que meus pais saíram de férias. (Divulgação)

* Matéria originalmente publicada no Jornal do Estado do dia 03/04/2007.

quarta-feira, 28 de março de 2007

Depois do palco, banda encara altar


Monobloco faz trilha sonora de casamento depois de colocar o povo para sambar

Alexandre Fóes fez discotecagem e já tocou muito rock’n roll. Passou pela faculdade de música e hoje toca de tudo, mas em ritmo de samba. Junto com os demais 27 integrantes do Monobloco, Fóes está reinventando o jeito de se olhar para o samba. O Monobloco começou em 2000, com os membros da banda Pedro Luís e a Parede, ou simplesmente “A Parede”, como é chamada por seus integrantes. Em 1999, eles organizaram uma semana de oficinas. Na de percussão, logo levaram os alunos para batucarem pelas ruas. E de lá não saíram.

O Monobloco virou bloco de rua durante o carnaval carioca, levando mais de 60 mil pessoas para a orla de Ipanema, e, hoje, oferece uma oficina de percussão durante o ano inteiro. Além disso, gerou o Monobloco Show, que passou pela primeira vez por Curitiba na sexta-feira [23/03/07], no palco do Calamengau – onde já se apresentaram três vezes com a formação da Parede.

No palco, de um momento para outro, a batida muda. “É como uma partitura; tem que dominar o instrumento. Podemos virar a página que quisermos, mas temos que fazer o público continuar dançando”, brinca o percussionista C.A Ferrari. Os instrumentos são os tradicionais da bateria de uma escola de samba, mas outros também são bem vindos. “O gostoso do trabalho deles é que passeia por todas as vertentes do samba, trazendo coisas novas”, comenta o dono do Calamengau e fã assumido, Maérlio Fernandes Barbosa, o Ceará - que logo avisa: “Para subir no meu palco tem que ser melhor que eu”. No espaço, por onde já passaram Tom Zé, Elza Soares e Hermeto Pascoal, o Monobloco não decepcionou.

O grupo tem admiradores nos quatro cantos. Alguns escoceses estavam passeando pela Lapa, no Rio. Viram a banda passar e ficaram encantados. A batida do Monobloco influenciou os novos trabalhos do grupo, que convidou os brasileiros para darem uma oficina na Escócia. Em julho, a trupe passará por Reino Unido e Dinamarca.

A influência já chegou até a Universidade da Califórnia, onde um grupo gravou, na batida particular do Monobloco, A cabeleira do Zezé, tradicional marchinha, e disponibilizou no YouTube. Esta é outra faceta da turma carioca: trazer uma nova musicalidade para canções consagradas. Em seu último CD, regravaram Imunização Racional (que beleza), de Tim Maia, na voz de Sérgio Loroza, mais conhecido por seu trabalho como ator – atualmente representa o Figueirinha, no seriado A diarista.

Constantemente, o grupo toca com diferentes parceiros. Fernanda Abreu, Herbert Vianna e Beth Carvalho já estiveram com eles. Num ensaio, eles foram surpreendidos com a presença do guitarrista Stanley Jordan: “O assessor dele nos ligou e disse: vocês topam tocar com ele? - topamos e ele apareceu com a sua guitarra”, lembra o maestro do grupo, Celso Alvim. Pergunto ao maestro sobre alguma influência em especial. Sem hesitar, ele responde: “O Mestre Odilon Costa [da bateria da Grande Rio] foi a nossa grande influência na parte técnica. Nos levou para assistir aos ensaios e nos ensinou tudo sobre a bateria de uma escola de samba”.

O contato abriu outra porta. Em 2001, alguns integrantes do grupo foram convidados para desfilar com a Grande Rio no carnaval carioca. Será que existe a possibilidade de o Monobloco voltar para Curitiba para desfilar pelas ruas? O percussionista Sidon Silva, num lampejo, lembra: “Em 1991 tínhamos um grupo chamado Banda Ligeira e estávamos dando uma oficina no centro cultural do Rebouças. Já no primeiro dia, saímos com os alunos pelas ruas. Passamos pelo Passeio Público, Rua XV e outros pontos”. Desta vez, a banda veio a cidade para tocar num casamento no último sábado. Os dezoito integrantes presentes aproveitaram a passagem por aqui e tocaram na sexta-feira, por quase três horas, de Roberto Carlos a Jorge Benjor; em ritmo de samba, é claro.

FOTOS: Thiago Guimarães

1ª - A "Parede": Mário Moura, Sidon Silva, C.A Ferrari e o maestro Celso Alvim.

2ª - O dono do Calamengau e fã assumido, Maérlio Fernandes Barbosa, o Ceará, logo avisa: “Para subir no meu palco tem que ser melhor que eu”.

* Matéria originalmente publicada no Jornal do Estado do dia 26/03/2007.

sábado, 24 de março de 2007

É tudo uma grande farsa


Felipe Hirsch fala de Thom Pain – Lady Grey e de nova montagem sobre Dalton Trevisan

Hoje à noite [23/03/07], no Teatro da Reitoria, acontece a última apresentação de Thom Pain - Lady Grey na Mostra Oficial do Festival de Teatro. São dois monólogos, que, juntos, têm mais de duas horas de duração. “É um espetáculo muito difícil e árido para o público. Será uma decepção imensa para quem comprou o ingresso achando que vai se divertir”. A sugestão é do próprio diretor da Sutil Cia. de Teatro, Felipe Hirsch. A peça é baseada em dois textos do dramaturgo norte-americano Will Eno, considerado por Edward Albee (autor de Quem tem medo de Virginia Woolf) o artista mais interessante em atividade. Em 2002, Hirsch foi a Londres e conheceu Eno. Nasceu uma amizade e uma primeira parceria: a peça Temporada da Gripe, que passou pela mostra principal do Festival de Teatro de 2004. Eno veio ao Brasil para assistir à montagem e gostou bastante. Ele passava por um momento conturbado: estava se separando da esposa. Voltou aos EUA e escreveu os monólogos, agora adaptados pela Sutil, companhia que começou em 1993 em Curitiba.

“É um texto muito racional, mas que gera muita emoção. São dois atos: o primeiro, a voz do homem; o segundo, a da mulher [Lady Grey, em referência à ex-esposa, inglesa]. Um texto onde aquelas pessoas tentam traduzir com palavras a sensação emocional daquela fase da vida delas”, comenta o diretor. Quem espera pelas extensas referências à cultura pop de A vida é cheia de som e fúria, outra peça da companhia, pode sair desapontado. A maior coincidência entre as duas peças é a presença do ótimo Guilherme Weber como protagonista. Nos setenta minutos de texto interpretados por ele, o espectador é apresentado a uma reflexão que parte da infância de Thom Pain. Nos cinqüenta minutos de Lady Grey, Fernanda Farah traz uma personagem buscando preencher os vazios de um recente abandono. O público tem gostado? O diretor responde. “Tem, mas não conseguem dizer o porquê. É tudo pelo social: é importante dizer que viu e gostou de um espetáculo da Sutil. É tudo uma grande farsa”, afirma.


Um Dalton pouco sutil
A última peça produzida na cidade pela Sutil Cia. de Teatro foi em 2000. Desde então, o grupo formado por artistas renomados como o ator Guilherme Weber e a cenógrafa Daniela Thomas - também parceira costumeira de Walter Salles - tem produzido seus espetáculos em São Paulo. O retorno da produção a Curitiba vem com a produção do espetáculo Educação Sentimental do Vampiro. “Insistimos em ensaiar em Curitiba, porque conseguimos ficar mais isolados”, fala Felipe Hirsch, em entrevista realizada em uma das três salas dedicadas ao ensaio. A trupe, que se prepara para a estréia da peça baseada em textos de Dalton Trevisan, no dia 9 de abril, em São Paulo, tem seu refúgio num hotel no Centro Cívico. Três espaços para conferências foram adaptados para a companhia.

A cada produção, a equipe envolve diretamente sessenta pessoas. No elenco, desta vez, são três atores curitibanos e quatro de outros estados. Para Felipe Hirsch, é um espetáculo que causa angústia, “mas se você me perguntar por que eu quero causar angústia nas pessoas, eu não sei”. Hirsch ainda fala das dificuldades de adaptar um escritor tão próximo: “Quando você faz um Tchecov, você imagina uma Rússia; quando você faz um Dalton, você sabe quem são essas pessoas. É muito mais difícil lidar com essas pessoas sabendo quem elas são, do que imaginar um russo e um inverno na Rússia”. Além disso, o diretor sente estar passando por uma situação nova: “É constrangedor estar diante de uma coisa que é tão domínio público. Pela primeira vez, tenho a sensação de exposição total”. Em São Paulo, a peça ficará em cartaz por sete meses. Quem sabe, em 2008, teremos a oportunidade de ver a peça sobre Dalton em Curitiba.

FOTOS:

1ª - O diretor da Sutil Cia. de Teatro, Felipe Hirsch (Rafael Urban)

2ª - Guilherme Weber, o Thom Pain (Divulgação)

3ª - Fernanda Farah, a Lady Grey (Divulgação - Carol Sachs)


* Matéria originalmente publicada no Jornal do Estado do dia 23/03/2007.