terça-feira, 17 de junho de 2008

Entre o Brasil e o Japão

Nos festejos dos 100 anos da chegada do Kasato Maru ao Brasil, 480 imigrantes com idades entre 70 e 101 anos são homenageados

Rafael Urban
Equipe da Folha

Fotos: Chuniti Kawamura/Divulgação

Cinco gerações reunidas: de Tome Suemitsu, 100, ao tataraneto Rodrigo, com pouco menos de dois meses


Os com mais de 80, com laço vermelho e branco ao peito, não foram minoria entre os homenageados


Soichi Sato, cônsul-geral do Japão em Curitiba, entregou as homenagens às senhoras centenárias e agradeceu aos que estabeleceram a base da comunidade nipônica no Brasil


Alice Suemitsu, 62 anos, é a filha mais nova de Tome Suemitsu, 100 anos completados no último dia 24. Tome, porém, não foi a mais idosa homenageada no domingo como ''Protagonista da Saga Nipo-Brasileira'', evento ligado à comemoração do centenário da imigração japonesa no Brasil. Esse cargo ficou com Chio Kakuta, que faz 101 no dia 1º de julho. Na comemoração, outros 478 imigrantes japoneses com mais de 70 anos foram condecorados no Lar Centro-Dia Junshin, espaço para atendimento de idosos no Pilarzinho que recebeu o evento.

Aqueles com idades entre 70 e 79 ganharam um laço verde para ser colocado ao peito. Os com mais de 80, que não eram minoria, carregavam um laço branco e vermelho. Soichi Sato, cônsul-geral do Japão em Curitiba, foi o responsável por fazer as homenagens às duas senhoras centenárias. ''Foi muito bonito. Os idosos merecem ser homenageados. Eles contribuíram muito para estabelecer a base da comunidade japonesa aqui.''

Jorge Yamawaki, presidente da comissão dos festejos da imigração, o Imin 100, no Sul do Paraná, tem opinião semelhante. ''Se existe essa história de 100 anos no Brasil é graças aos pioneiros. Nada mais justo por tudo que nos legaram.'' Para encontrar os mais de 600 convidados a receber a homenagem, a comissão contou com a ajuda de amigos e de associações religiosas e esportivas.

Alice, filha da centenária Tome, é professora de Tai Chi Chuan. A vontade de viver com saúde e a disposição com esportes admite que vêm da mãe, que sempre praticou ginástica. ''O segredo dela é a disciplina. Minha mãe sempre foi muito correta e lúcida.'' Alice conta que os netos sempre provocaram e a avó nunca deixou de mostrar que, mesmo em pé, consegue alcançar o chão com os dedos da mão.

Na foto de família, aparecem as cinco gerações. De Tome, 100, ao tataraneto Rodrigo, com pouco menos de dois meses. ''Tome e Shigemi, meus pais, vieram casados do Japão, em 1934. Meu pai queria fazer dinheiro e voltar. A história é a mesma de sempre: só muda o nome. Foi trabalhar em uma fazenda de café no interior de São Paulo e não voltou mais.'' Para conhecer melhor sobre a imigração japonesa no Brasil, Alice sugere o filme ''Gaijin - os caminhos da liberdade'' (1980), de Tizuka Yamasaki.

Essa história começa no dia 28 de abril de 1908, em Kobe no Japão. A data é a da partida do Kasato Maru, o primeiro navio com imigrantes japoneses a chegar no Brasil. A data de chegada, 18 de junho, no Porto de Santos, também será comemorada em Curitiba no próximo final de semana com uma série de eventos no Expo-Pavilhão do Parque Barigüi. Os idosos presentes na comemoração do último domingo ganharam uma garrafa de água embalada justamente em Kobe, porto de partida da primeira viagem. Aqueles com mais de 80 anos ainda receberam um certificado e uma caneca para chá.

Personagens

Hayao Washida, pai da professora aposentada Aliete Watanabe, foi personagem importante na promoção da interação da comunidade japonesa no Paraná. ''Ele foi uma pessoa que se empenhou em promover a integração da comunidade e se destacou por ajudar as pessoas'', disse Aliete.

Nos anos 1960, Washida fundou uma comunidade de agricultores japoneses no bairro da Fazendinha, que segundo Aliete deu um impulso para construir o cinturão verde da cidade. ''Que eu já não sei se ainda existe.''

A jornalista Maria Helena Uyeda, prestes a lançar um livro sobre a imigração japonesa no Brasil, comenta que isso não aconteceu apenas em Curitiba. ''A comunidade japonesa foi a responsável pela construção de cinturões verdes em várias cidades do Brasil.''

Quem acompanhou Aliete ao evento foi Tsuyuko Washida, sua mãe, com 91 anos de idade. O pai faleceu há dez anos, com 95. ''Agora, revendo essa história, vejo que a presença dessa comunidade foi algo que ficou. Está no comportamento, na honestidade. É uma influência muito positiva que a gente deixa'', comenta. Ainda que já esteja com idade para receber a homenagem, Aliete, 71, desconversa. ''Vim só para acompanhar a mãe mesmo.''

BOX
Teatro encerra evento


Na peça que encerrou o evento, filha é obrigada a abandonar a mãe, idosa, no mato. O conhecimento da senhora acaba salvando a aldeia da guerra

''Ubasute Yama'', ou, em português, jogar os idosos na montanha, é uma lenda japonesa que conta a história de um pequeno vilarejo que abandonava seus moradores com mais de 70 anos. Toshikazu Kawamura, 59, nasceu em Yamaguchi e veio ao Brasil quando tinha dez anos. No domingo, interpretou o rei na peça que encerrou o evento. Ele conta que, primeiro, fez os idosos presentes chorarem. ''Isso foi quando eu, como rei, mandei jogar idoso no mato.'' Kawamura explica que a lenda nasceu de histórias de invernos rigorosos, quando não se tinha alimentos suficientes e a solução encontrada era deixar os mais velhos de lado.

A fábula ganha ares mais alegres quando se aproxima de seu final. A idosa, deixada no mato aos pés da montanha pela filha, é convocada para ajudar. O regente feudal vizinho queria a guerra e propõe um desafio que considera impossível: fazer um nó com cinzas. A senhora dá a resposta: basta colocá-las no fogo com uma palha. A filha, arrependida, traz a mãe de volta, para viver escondida no porão.

Como o reino vizinho realmente busca a guerra, propõe mais um desafio e manda duas éguas, mãe e filha, que parecem absolutamente iguais. Mais uma vez, a filha pede ajuda a sua mãe. ''Mas isso é fácil e eu posso ajudar.'' A senhora dá alimento aos animais e logo avisa. ''Esta que está comendo primeiro é a filha, pois a mãe sempre faz isso: dá espaço para a sua cria.'' O conhecimento, mais uma vez, mantém a paz entre os reinos.

Depois de fazer os idosos presentes chorarem, Kawamura, o rei da peça, apresentada trechos em português e outros em japonês, viu eles sorrirem. ''No final, o rei anuncia que não se deve mais deixar os mais velhos abandonados, pois foi a sabedoria de um deles que salvou o vilarejo. Foi aí que os olhos da platéia brilharam.''

No cinema

A lenda já foi retratada no cinema no longa-metragem ''A Balada de Narayama'' (1983), do veterano Shohei Imamura. A relação com a velhice e a morte é tema recorrente no cinema japonês. Akira Kurosawa tratou da questão em diferentes momentos de sua carreira, como em ''Viver'' (1952) e ''Madadayo'' (1993), seu último filme como diretor. Neste, acompanhamos um costume nipônico: ano após ano, um senhor comemora que ainda tem mais tempo a viver, gritando ''Madadayo'', ou seja, ''ainda não'', em uma ode à vida. (R.U.)


* Reportagem originalmente publicada no Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 17/06/2008.

Sobre o texto: na reportagem, descobri que há imigrantes japoneses vivendo no Paraná há mais de 50 anos e que ainda não falam o português. Infelizmente, não encontrei nenhum deles no evento.

Ponto de Partida: sugestão de pauta de domingo. Uma entre as muitas comemorações do centenário da imigração japonesa.

A reportagem: cheguei na redação às 14h, para saber, pouco depois, que o evento tinha começado pouco antes da uma. Quando chego lá, ele, o evento, está se encaminhando para o seu fim e algumas pessoas já estão indo embora. Acompanho a peça de teatro e faço algumas entrevistas um tanto preocupado: precisava de mais tempo. Fico até o último instante e algumas das conversas divertidas que tive acabam ficando de fora. As entrevistas foram difíceis, pois os mais idosos falam com bastante dificuldade.

Repercussão: quem gostou mesmo foram meus avós. Por sinal, estou fotografando eles e quero, em breve, me dedicar a contar um pouco de sua história. Adriana De Cunto, a Drica, editora da sucursal em Curitiba, motivadora-mor de pautas curiosas, divertiu-se com as histórias dos nipônicos. Ela demonstrou interesse especial no último longa do Kurosawa, sobre o qual comento no texto. Filme que, admito, não é dos meus favoritos do diretor.

Erros, lapsos e confusões: nesta criei uma grafia nova para “agricultores”: “agricultures”, o que já foi acertado nesta versão.

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