terça-feira, 8 de julho de 2008

Clube da solidão

Quatro mil casamentos depois, o programa Quadro Casamenteiro e o Clube dos Solitários seguem firmes e fortes

Rafael Urban
Equipe da Folha*


Mauro Frasson
Rosaldo Pereira lê as cartas de ouvintes com pseudônimos como ‘‘Leonino em busca de sua leoa’’

Fotos: Diego Singh
No salão, os casais dançam agarradinhos, o que tem atraído a presença dos mais jovens

‘‘Sabe, Rosaldo, este mundo é tão grande que, de repente, a pessoa que eu quero está aí do outro lado e eu aqui. Então, quem sabe, ele está agora ouvindo o Sr. ler a minha cartinha.’’

Estrela Verde nº. 68



Rosaldo Pereira já perdeu as contas de quantas cartas leu em seu ‘‘Quadro Casamenteiro’’, programa que apresenta na Rádio Colombo 1.020 kHz AM, de Curitiba, desde 1982. Os convites para os casamentos de pessoas que se conheceram pela emissora ele parou de guardar e contar quando chegaram aos quatro mil, o que aconteceu há oito anos. ‘‘O mais interessante foi a história de um casal que estava se correspondendo por cartas. Você não imagina o susto deles quando se encontraram. Os dois eram vizinhos há décadas e moravam a três quadras um do outro’’, conta Rosaldo, que afirma que os dois estão juntos até hoje.

Os ouvintes usam pseudônimos. ‘‘Evangélica a espera de um cristão’’, ‘‘Júnior nº. 18’’, ‘‘Parafuso atrás de uma porca’’, ‘‘Leão em busca de sua leoa’’. O ponto de encontro, muitas vezes, é o Clube dos Solitários: em nome do amor. A história do baile, organizado pelo locutor, inicia-se em 1989, na sede social do Clube Juventus. Começou pequeno e motivado pelos ouvintes do programa. Com 20, 40, depois 100 pessoas.

Em 1989, Nilda Hanq estava viúva há oito anos e em depressão, sem muita vontade de sair de casa. ‘‘Me arrumei bem. Mas, quando cheguei ao baile, o que me impressionou foi aquela quantidade de velhos, muito mais velhos do que eu.’’ Pouco depois, foi conquistada pelo ambiente, pela simplicidade e honestidade das pessoas. Acabou virando a madrinha. Na única carta que escreveu ao programa de rádio, assinou como ‘‘Amor perfeito’’. ‘‘Como a flor, detalhada como se fosse desenhada por um grande pintor.’’ Recebeu dez respostas e foi ao encontro do ‘‘Leonino Triste’’. ‘‘Mas, quando o vi, desisti. Ele era um homem triste e eu sou alegre.’’



‘‘Eu sou evangélico, solteiro, 63 anos, 1m70, 70 quilos, cor clara, sem vícios. Totalmente livre, amoroso e justo! Sou pedreiro, carpinteiro, marceneiro, mecânico de bicicleta, cozinheiro, lavador de roupas, jardineiro, pintor de placas.’’

Do pseudônimo, Um amigo cristão que topa tudo por amor e dinheiro!



Zelina Aparecida Cardoso recebe as cartas na Rádio Colombo há 23 anos. ‘‘O pessoal fala que é alto, mas não é. Que é magro, mas não é. Diz que é bonito, mas vixe!’’. Ao custo de R$ 8, cada uma delas é lida no ar por Rosaldo. De voz imponente e a experiência de mais de 40 anos no rádio, ele as torna mais bonitas no programa que apresenta de segunda a sexta, das 22 às 23 horas.

Baile é ponto de encontro dos casais


‘‘Meus filhos foram indo, cada um cuidar de sua vida. E eu fiquei sozinha e a solidão é muito dolorosa, muito triste. Durante o dia eu saio, sempre tenho alguma coisa para fazer. Mas à noite a solidão é esmagante.’’

Libriana Carente


Às sextas, sábados e domingos acontece o Clube dos Solitários: em nome do amor. Lá, librianas carentes, leões solitários e geminianos à procura se encontram. Nas sextas-feiras, tem aula de dança. Neiva de Fátima, 49 anos, coordena o grupo de professores voluntários. ‘‘Hoje, as mulheres estão muito mais atacadas e chegam junto nos homens’’, conta a professora que também conheceu seu marido ali, em 2004. ‘‘Eu cheguei para ele, que tem a metade da minha idade, e disse: ‘Dançamos de um jeito parecido. Vamos fazer isso juntos?’.’’

Marcos Pauli de Lima, 25, não se incomoda com a diferença de idade. Neiva pensa diferente. ‘‘Uma vez uma moça deu em cima dele. Fui tirar satisfação e ela me pediu desculpas, pois achou que eu era a mãe.’’

Lima é um dos tantos jovens no baile. Ainda que a média de idade passe com tranqüilidade dos 40, a juventude vai em peso. ‘‘Tá dando muita rapaziada porque danceteria não tem tanto contato físico’’, explica. Ele se dá bem com a família de Neiva. A professora já arrumou esposa para o irmão e para um de seus filhos no baile. E ali aconteceu o noivado e o chá de bebê, além de outros 800 casamentos. No Clube dos Solitários, os casais dançam coladinhos no vanerão, bolero e forró.

O encontro das idades é freqüente. No canto do salão, um rapaz com vinte e muitos poucos anos está de lero-lero com uma senhora com mais de 70. ‘‘Eles estão juntos há três meses. E ela está chateada porque o viu dançando com uma moça’’, diz o sorridente Mauro dos Santos, 42, que conheceu a namorada Rosalda Boulade, 45, no baile há cinco anos. Juntos, acompanharam no salão um dos momentos mais engraçados de suas vidas. ‘‘Você não consegue imaginar o que foi ver uma mulher se jogar no chão e sair de gatinho, se arrastando de mansinho por baixo das mesas até a saída. Acho que estava se escondendo do marido ou do filho. Sempre damos risada quando lembramos’’, conta Santos, que se considera um pé de valsa. (R.U.)

Pista em chamas



O professor de dança gaúcha Xirú Pampeano não entende o jeito do povo curitibano dançar: ‘‘É falsificação isso!’’

Rosaldo Pereira, 60, é o DJ. Veste um chapéu que não é o que ganhou de Sérgio Reis. ‘‘O cantor me deu um de presente. Quando visitou o clube me entregou e disse: ‘Rosaldão, esse é para te dar sorte’.’’ O original queimou junto com toda a estrutura do clube, em 2006, quando funcionava na Travessa da Lapa. Naquela época, o espaço recebia mais de 700 pessoas nos dois salões. Pereira não tinha seguro e estima suas perdas em R$ 600 mil. Alguns suspeitam de incêndio criminoso, mas ele acredita na sugestão dos bombeiros: curto circuito na cozinha. ‘‘O duro foi que era a única parte que faltava reformar. Já tinha comprado tudo: cimento, encanamento, azulejos. A reforma seria no final do ano.’’ O incêndio chegou pouco antes, em setembro.

O atual endereço na Barão do Rio Branco 580, comporta menos pessoas. No último domingo, foram 156 homens e 182 mulheres.

Os trajes são variados, mas o que chama mais atenção é o do gaúcho que se veste com as cores do Internacional. ‘‘Você quer o nome artístico ou de batismo?’’, questiona o homem de bombacha, bota branca e faixa vermelha na cabeça. ‘‘De batismo, sou Joel Pereira. Mas me conhecem como Xirú Pampeano. Sou uma lenda viva.’’ Ele explica. É uma lenda, pois é tataraneto de Sepé Tiarajú, um índio que teria protegido a fronteira oeste do Rio Grande do Sul.

Xirú é professor de dança gaúcha e dançarino dos bons. Atravessa o salão, sempre renovando os parceiros. Não nega fogo. ‘‘Pode ter 40, 50 ou 100 anos, eu vou aceitar o convite da prenda e dançar.’’ Pouco depois, explica que não convida as ‘‘prendas’’, pois já viu muitas delas rejeitando pedidos no salão. Xirú dá aulas há 24 anos. ‘‘Já viajei o País todo. Mas o povo que dança pior a dança gaúcha é o curitibano.’’ O vanerão, vanera e bugil, que segundo o professor originalmente são dançados no compasso dois e dois, em Curitiba são no dois e um. ‘‘É uma falsificação.’’ (R.U.)

Nós que somos jovens


O dançarino de axé Wellington Lopes, 16 anos, demorou para se acostumar, mas agora adora a dança gaúcha

Derblay Ferreira, 21 anos, foi levado ao baile por sua avó Elcimar, 57. Conheceu ali a ex-namorada, com quem ficou por três anos. Foi ali também que encontrou Pricila, com quem está junto há 20 dias. ‘‘Mas já estou apaixonado.’’ Se a música gaúcha e as danças de salão podem afugentar os jovens, esse não é o caso de Ferreira e tampouco o de Wellington Lopes, 16. Enquanto seus amigos vão para o Planeta Ibiza, no Boqueirão, e no clube Millenium, em Pinhais, redutos da música eletrônica, Lopes vai ao Clube dos Solitários.

O jovem já foi dançarino de axé e conta que foi difícil se adaptar e curtir o estilo gaúcho. Vai no baile todos os domingos, o dia mais concorrido. Há um mês, conheceu Jéssica, sua alma gêmea, mas a aliança de compromisso deixou em casa. ‘‘Sou honesto. Quando fico com alguém, conto para ela e justifico dizendo que ela não foi. Ela também faz isso. Somos sinceros’’, diz. ‘‘A mulherada dá em cima dos piá mais novo, mas estou em busca das meninas.’’

Rosaldo Pereira se diverte e brinca com os mais jovens. Muitas vezes, serve de cupido, e anuncia no microfone o pseudônimo de alguém que pela troca de cartas na rádio marcou um encontro. E se ele, Rosaldo, tivesse que pensar em um pseudônimo? Ele hesita. ‘‘Locutor solitário’’, responde com certa alegria. E como você se descreveria se mandasse uma carta ao programa? ‘‘Jornalista, radialista, humilde, simples. Bom marido não sei se posso dizer que sou, bom pai, alto (1m80), 82 kg, cabelos castanhos claros. Acho que seria assim’’, conta o responsável por casamentos e encontros a fio, casado há 28 anos com Karen, que o acompanha em sua jornada. (R.U.)


SERVIÇO:
- Clube dos Solitários: em nome do amor
Às sextas-feiras, das 18 às 24 horas, entrada franca; aos sábados, das 16 às 24 horas, entrada livre até às 18 horas, depois feminino R$ 3 e masculino R$ 5; aos domingos, das 14 às 22 horas, feminino R$ 3 e masculino R$ 5.
Rua Barão do Rio Branco, 580
Contato: 41-3019-6160

- Quadro Casamenteiro
Rádio Colombo 1.020 kHz AM
Segunda à sexta-feira, das 22 às 23 horas
Contato: 3322-8483

* Reportagem originalmente publicada no Caderno Curitiba do Jornal Folha de Londrina, do dia 08/07/2008.


Making-of

Sobre o texto: um universo mágico

Ponto de partida: ouvi falar pela primeira vez do Clube dos Solitários no Carnaval de Curitiba, em 2006. Um jornalista, cujo nome não me lembro, comentou daquele universo fascinante. Na abertura da exposição da Magnum, na Capital, encontrei o redator Carlos Kenji, que me contou sobre o seu projeto fotográfico feito no clube, o que me reacendeu a vontade de fazer uma reportagem a respeito do tema.

A reportagem: conversei com o Carlos Kenji, que me contou detalhes sobre o clube e o programa. Através da Rádio Colombo, consegui contatar o Rosaldo, que foi absolutamente acessível. No dia seguinte, acompanhei a gravação de seu programa – ainda que exibido à noite, é gravado de tarde. Ele fez cópias de algumas das cartas que leu naquele dia, o que me permitiu reproduzir alguns trechos. Para a reportagem, optei por corrigir os erros gramaticais e de português, evidenciando o conteúdo dos textos. A postura é semelhante àquela que Rosaldo toma ao ler as cartas no ar. Ele chega a deixá-las mais bonitas quando faz a leitura. A rádio é um ambiente curioso, um espaço que mantém marcas de outros tempos e que ainda guarda a parte de seu acervo em vinil.

No domingo seguinte, acompanhei o baile em seu dia mais cheio. É, definitivamente, um universo à parte. Mas, de algum modo, se aproxima do ambiente de um baile da terceira idade. Foi bastante curioso ver a molecada mais jovem presente. Em certo momento, me lembrei de uma cena de “Chega de Saudade”, filme de Laís Bodanzky. Enquanto eu entrevistava um casal, uma senhora me deu uma baita beliscada na bunda. Como os jovens entrevistados comentam na matéria, as mulheres dão em cima mesmo.

s, evidenciando o contepor corrigir os erros gramaticais e de portuguitiu reproduzir alguns trechos.

Repercussão: a turma do baile ligou no jornal perguntando quando sairia a reportagem. Rosaldo comprou 15 exemplares da Folha de Londrina para levar ao clube. Conta que ficou muito feliz e comentou sobre a matéria em seu programa de rádio.

Erros, lapsos e confusões: escrevi para chuchu, o que obrigou a editora a cortar um box que explicava sobre o projeto de Carlos Kenji a respeito do clube. Projeto que, efetivamente, me motivou a fazer esta reportagem. O resultado, uma seqüência de fotografias do baile e reprodução de cartas enviadas ao programa acompanhadas de trilha sonora, é excelente, mas, infelizmente, não está disponível na Internet. O Carlinhos comentou que achou um tanto complicado disponibiliza-lo, mas, espero, que em alguma hora ele mude de idéia. É um projeto muito bacana. Abaixo, antes tarde do que nunca, reproduzo o trecho não-publicado sobre a proposta e uma das imagens feitas por ele, que abre esta postagem.

Fotos do clube

Carlos Kenji

Carlos Kenji fez um trabalho fotográfico sobre o Clube dos Solitários, que o intrigava

O redator e estudante de Filosofia Carlos Kenji, 33, mora há poucas quadras do Clube dos Solitários. Sempre que passava na frente e via a fila na entrada, ficava intrigado pelo local. ''Os dois nomes são termos quase que opostos. Enquanto 'clube' indica reunião de pessoas, 'solitários' é algo de uma pessoa só. É um nome que chama muito à atenção.'' Quando teve de escolher o tema para o Curso de Fotografia Documental, do Núcleo de Estudos da Fotografia (NEF), não teve dúvidas. Nos domingos de setembro a novembro de 2007, acompanhado de sua câmera, o clube virou seu ponto de encontro.

''Encontrei de tudo: casais que deram certo e que sempre voltavam lá, pessoas que vão para dançar e muita gente que está sempre sozinha.'' Kenji conta que tinha receio de como seria recebido, mas foi surpreendido pelo carinho e gentileza das pessoas. Aos poucos deixou de ser um estranho com uma câmera e passou a se relacionar com o local. As cartas do programa de rádio acabaram direcionando o seu trabalho, que se tornou uma projeção com fotografias e trilha sonora. ''O recorte é que, no fundo, as pessoas estão procurando. O que não é diferente dos outros bares na cidade, onde os freqüentadores também estão em busca de alguém.''

De seu trabalho, ficou um mural de fotos no clube. E Kenji virou freqüentador? ''Voltei uma vez para dar um oi para o pessoal. Não vou mais lá porque sou boêmio. O meu horário para sair é só depois das 23 horas.'' (R.U.)

4 comentários:

Anônimo disse...

Rosaldo tens que colocar fotos como era antigamente do baile
abraço !!!

Anônimo disse...

Rosaldo tens que ativar o site de antigamente www.clubedossolitarios.com.br ou fazer outro e postar fotos do pessoal dançando no baile, nossa era muito bom, porque tirasse nossa e aquele telão no seu baile era muito bom também , vamos la homem ressucita tudo isso... abraço estamos aguardando...

Unknown disse...

fikei curiosa pra conhecer
tambem kero ver fotos
e filmes de como era antes

Anônimo disse...

oi to louca para saber quando o baile volta para a travessa da lapa por favor ne de retorno